E ao pronunciar estas palavras, o olhar severo do magistrado nada perdera da sua arrogância habitual. As palavras que acabava de proferir articulara-as com a sua voz de procurador régio, com a mesma rigidez de pescoço e de ombros que, repetimos, levava os seus aduladores a dizer que ele era a estátua viva da Lei
- Senhor - replicou por seu turno o conde com uma frieza glacial -, sinto-me muito feliz por ter podido conservar um filho à sua mãe, pois diz-se que o sentimento da maternidade é o mais santo de todos, e a ventura que experimento dispensava-o, senhor, de cumprir um dever que me honra, sem dúvida, porque sei que o Sr. de Villefort não prodigaliza o favor que me faz, mas que, por mais precioso que seja, não vale no entanto para mim a minha satisfação íntima.
Villefort, surpreendido por esta tirada que não esperava, estremeceu como um soldado que sente debaixo da armadura que o cobre o golpe que lhe vibram, e uma franzidela desdenhosa de lábios indicou que desde o início não tinha o conde de Monte-Cristo na conta de um gentil-homem muito bem-educado.
Em seguida olhou à sua volta para ligar a qualquer coisa o diálogo caído e que ao cair parecia ter-se quebrado.
Viu o mapa que Monte-Cristo consultava quando ele entrara e perguntou:
- Ocupa-se de geografia, senhor? É um rico estudo, sobretudo para o senhor, que, ao que me afirmam, tem visitado tantos países quantos se encontram impressos nesse atlas.
- É verdade, senhor - respondeu o conde. - Pretendo fazer acerca do género humano, tomado em conjunto, o que o senhor pratica todos os dias a partir de excepções, isto é, um estudo fisiológico. Pensei que me seria mais fácil descer em seguida do todo para a parte do que da parte para o todo. Existe um axioma algébrico que aconselha a proceder do conhecido para o desconhecido e não do desconhecido para o conhecido... Mas sente-se, senhor, peço-lhe.
E Monte-Cristo indicou com a mão ao procurador régio uma cadeira, que este foi obrigado a dar-se ao incómodo de puxar pessoalmente para diante, enquanto o conde teve apenas de se sentar naquela em que estava ajoelhado quando o procurador régio entrara. Assim, o conde ficou semivoltado para o visitante, de costas para a janela e com o cotovelo apoiado na carta geográfica que era alvo, naquele momento, do diálogo, o qual tomava, como acontecera em casa de Morcerf e de Danglars, feição absolutamente análoga, senão quanto à situação, pelo menos quanto às personagens.