- Mas com que fim aprendeu tudo isso? - perguntou Villefort, atónito.
Monte-Cristo sorriu.
- Vejo, senhor - respondeu -, que, a despeito da sua reputação de homem superior, encara todas as coisas do ponto de vista material e vulgar da sociedade, começando no homem e acabando no homem, isto é, do ponto de vista mais restrito e mesquinho que é permitido à inteligência humana abarcar.
- Explique-se, senhor - pediu Villefort, cada vez mais atónito - pois não o compreendo... muito bem.
- Digo, senhor, que com os olhos postos na organização social das nações só se vê as engrenagens da máquina e não o operário sublime que a faz andar; digo que só reconhece na sua frente e à sua volta os titulares dos cargos cujas nomeações foram assinadas por ministros ou por um rei, e que os homens, que Deus colocou acima dos titulares, dos ministros e dos reis, dando-lhes uma missão para continuar em vez de um cargo para preencher, digo que esses escapam à sua curta vista. Aliás, isso é próprio da natureza humana, cujos órgãos são fracos e imperfeitos. Tobias tomava o anjo que vinha restituir-lhe a vista por um jovem vulgar. As nações tomavam Átila, que as devia aniquilar, por um conquistador como todos os conquistadores, e foi necessário que ambos revelassem as suas missões celestes para que os reconhecessem; foi necessário que um dissesse: «Eu sou o anjo do Senhor»; e o outro: «Eu sou o flagelo de Deus», para que a essência divina de ambos se revelasse.
- Então, o senhor considera-se um desses seres extraordinários que acaba de citar? - perguntou Villefort, cada vez mais espantado e julgando falar com um iluminado ou um louco.
- Por que não? - redarguiu friamente Monte-Cristo.
- Perdão, senhor - prosseguiu Villefort, atordoado - mas espero que me desculpe o facto de, ao apresentar-me em sua casa, ignorar que entrava em casa de um homem cujos conhecimentos e cuja inteligência excedem de longe os conhecimentos vulgares e a inteligência habitual dos homens. Entre nós não é costume, talvez por sermos uns infelizes corrompidos pela civilização, que os fidalgos possuidores, como o senhor, de uma fortuna imensa, pelo menos ao que se afirma (note que não pergunto, apenas repito), não é costume, dizia, que esses privilegiados da riqueza percam o seu tempo em especulações sociais, em devaneios filosóficos, próprios, quando muito, para consolar aqueles a quem o destino deserdou de bens terrenos.