- Ah, gosta de filosofar! - exclamou Villefort, após um instante de silêncio, durante o qual, como um atleta que encontra um forte adversário, fizera provisão de forças. - Palavra de honra, senhor, se, como no seu caso, não tivesse nada que fazer, procuraria ocupação menos aborrecida!
- Sim, é verdade, senhor, gosto de filosofar – admitiu Monte-Cristo. - Talvez porque o homem não passa de um verme horrível para quem o estuda ao microscópio solar. Mas acaba de dizer, creio, que não tenho nada que fazer. Vejamos, acaso o senhor julga ter alguma coisa que fazer? Ou, para falar mais claramente, acha que aquilo, que faz merece que se lhe chame alguma coisa?
O espanto de Villefort redobrou depois deste segundo golpe tão rudemente desferido por aquele estranho adversário. Havia muito tempo que o magistrado não ouvia dizer um paradoxo daquele género, ou antes, para falar mais exactamente, era a primeira vez que o ouvia.
O procurador régio apressou-se a responder:
- O senhor é estrangeiro e, como é o primeiro a dizer, creio, passou parte da sua vida nos países orientais. Ignora portanto até que ponto a justiça humana, expedita nesses países bárbaros, tem entre nós aspectos prudentes e rigorosos.
- Certamente, senhor, certamente; é o pede claudo antigo. Sei tudo isso porque me tenho ocupado sobretudo da justiça de todos os países e comparei o processo criminal de todas as nações com a justiça natural. E devo dizer-lhe, senhor, que foi ainda a lei dos povos primitivos, isto é, a lei de talião, aquela que encontrei mais conforme com a lei de Deus.
- Se essa lei fosse adoptada, senhor - redarguiu o procurador régio -, simplificaria muito os nossos códigos e portanto os nossos magistrados não teriam, como o senhor dizia há pouco, grande coisa que fazer.
- Talvez isso venha a acontecer - disse Monte-Cristo. - Como sabe, as invenções humanas caminham do composto para o simples, e o simples é sempre a perfeição.
- Entretanto - declarou o magistrado -, os nossos códigos existem, com os seus artigos contraditórios, extraídos dos costumes gauleses, das leis romanas e dos usos francos. Ora, o conhecimento de todas essas leis, como decerto admitirá, não se adquire sem demorado trabalho e é necessário um longo estudo para obter esse conhecimento e uma grande capacidade intelectual, uma vez adquirido esse conhecimento, para não o esquecer.
- Sou da mesma opinião, senhor, mas tudo o que sabe acerca do código francês sei eu, não só a respeito desse código, mas também acerca dos códigos de todas as nações. As leis inglesas, turcas, japonesas e hindus são-me tão familiares como as leis francesas. Tenho portanto motivo para dizer que relativamente (como sabe, tudo é relativo), que relativamente a tudo que aprendi, o senhor tem ainda muito que aprender.