Prometeu-me a amizade de um irmão, a mim que não tenho amigos, a mim que o meu pai esquece, a mim que a minha madrasta persegue, e que só tenho como consolação um velho imóvel, mudo, gelado, cuja mão não me pode apertar a minha que só me pode falar com o olhar e cujo coração bate sem dúvida por mim, consumindo o que lhe resta de calor. Irrisão amarga do destino que me torna inimiga e vítima de todos aqueles que são mais fortes do que eu e que me dá um cadáver por amparo e amigo! Oh, realmente, Maximilien, repito-lhe, sou muito infeliz e tem razão em amar-me por mim e não por si!
- Valentine - disse o jovem, profundamente comovido -, não direi que só a si amo no mundo, porque amo também a minha irmã e o meu cunhado, mas a eles amo-os com um amor terno e calmo, que em nada se parece com o sentimento que experimento por si. Quando penso em si o sangue ferve-me, o peito dilata-se-me, o coração transborda-me. Mas esta energia. este ardor, esta força sobre-humana, utilizá-los-ei a amá-la apenas até ao dia em que me diga que os utilize a servi-la. O Sr. de Epinay estará ausente ainda um ano, dizem; num ano, quantas oportunidades favoráveis poderemos ter, quantos acontecimentos nos poderão secundar! Continuemos portanto a ter esperança; é tão bom e tão doce ter esperança. Mas até agora, que tem sido para mim a Valentine, a Valentine que me censura o meu egoísmo? A bela e fria estátua da Vénus pudica. Em troca desta dedicação, desta obediência, desta renúncia, que me prometeu? Nada. Que me concedeu? Muito pouca coisa. Fala-me do Sr. de Epinay, seu noivo, e suspira perante a ideia de lhe pertencer um dia. Vejamos, Valentine, isso é tudo o que tem na alma? O quê, ofereço-lhe a minha vida, dou-lhe a minha alma, dedico-lhe até à mais insignificante pulsação do meu coração, e quando sou todo seu, quando digo para comigo baixinho que morrerei se a perder, a Valentine nem sequer se assusta perante a ideia de pertencer a outro! Oh, Valentine, Valentine, se estivesse no seu lugar, se me soubesse amado como está certa de que a amo, já cem vezes teria passado a minha mão por entre as grades deste portão e apertado a mão do pobre Maximilien, dizendo-lhe: «Sou sua, só sua, Maximilien, neste mundo e no outro!»
Valentine não respondeu nada, mas o rapaz ouviu-a suspirar e chorar.
A reacção de Maximilien foi imediata.
- Oh, Valentine, Valentine, esqueça as minhas palavras, se há nelas alguma coisa que a possa magoar!
- Não - respondeu ela -, tem razão. Mas não vê que sou uma pobre criatura, abandonada numa casa quase estranha, porque o meu pai é quase um estranho para mim, e cuja vontade tem sido vergada de há dez anos para cá, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, pela vontade de ferro dos amos e senhores que dispõem de mim? Ninguém repara no que sofro e que só a si tenho dito.