Entre nós, um idiota possesso do demónio do ódio ou da cupidez, que tem um inimigo a destruir ou um avô a aniquilar, dirige-se a um droguista, dá-lhe um nome falso que o denuncia muito melhor do que o seu nome verdadeiro, e compra, a pretexto de que os ratos o impedem de dormir, cinco a seis gramas de arsénico. Se é muito espertinho, vai a cinco ou seis droguistas e é apenas cinco ou seis vezes melhor reconhecido. Depois, de posse do seu específico, administra ao seu inimigo, ao seu avô, uma dose de arsénico que faria rebentar um mamute ou um mastodonte e que inesperadamente fazem a vítima soltar berros que põem todo o bairro em alvoroço. Surge então um enxame de agentes da polícia e de gendarmes, manda-se chamar um médico, que abre o morto e lhe recolhe no estômago e nas entranhas o arsénico, àscolheres e no dia seguinte cem jornais relatam o acontecimentocom o nome da vítima e do assassino. Nessa mesma tarde, o droguista ou os droguistas vem ou vêm dizer. «Fui eu que vendi o arsénico a esse senhor.» E mesmo que não se lembrem da cara do comprador, reconhecê-lo-ão vinte vezes. Então, o criminoso idiota é preso, interrogado, acareado, confundido, condenado e guilhotinado. Ou, se é uma mulher de algum valor, condenam-na a prisão perpétua. Aqui tem como os seus Setentrionais entendem a química, minha senhora. No entanto, devo confessar que Destrues era mais esperto.
- Que quer, senhor, faz-se o que se pode! - disse, rindo, a jovem senhora. - Nem toda a gente está no segredo dos Médicis ou dos Bórgias.
- Agora, quer que lhe diga a causa de todas essas inépcias? - perguntou o conde, encolhendo os ombros. - É que nos vossos teatros, pelo menos pelo que tenho podido julgar lendo as peças que se representam, vê-se sempre personagens engolir o conteúdo de um frasco ou morder o engaste de um anel e caírem redondamente mortas. Cinco minutos mais tarde o pano desce e os espectadores dispersam-se. Ignoram-se as consequências do crime; nunca se vê o comissário da polícia com a sua faixa, nem o cabo com os seus quatro homens, e isso autoriza muitos pobres cérebros a pensar que as coisas se passam assim. Mas saia um bocadinho de França, vá, quer a Alepo, quer ao Cairo, quer apenas a Nápoles e a Roma, e verá passar nas ruas pessoas direitas, frescas e rosadas, acerca das quais o Diabo coxo, se a aflorasse com a sua capa, lhe poderia dizer: «Aquele cavalheiro está envenenado há três semanas e morrerá irremediavelmente dentro de um mês.»
- Mas então terão reencontrado o segredo da famosa água-tofana, que me diziam ter-se perdido em Perúsia? - perguntou a Sr.ª de Villefort.