Àquela linguagem muda ou ininteligível para qualquer outra pessoa respondia ela com toda a sua voz, toda a sua fisionomia, toda a sua alma, de tal forma que se estabeleciam diálogos animados entre a jovem e aquela pretensa argila, em breve transformada em pó, mas que entretanto era ainda um homem de um saber imenso, de uma penetração inaudita e de uma vontade tão forte quanto o pode ser a alma encerrada numa matéria pela qual perdeu o poder de se fazer obedecer.
Valentine resolvera portanto o estranho problema de compreender o pensamento do velho e de fazer-lhe compreender o dela; e, graças a esse estudo, era muito raro que no tocante às coisas correntes da vida ela não interpretasse com exactidão o desejo daquela alma viva ou a necessidade daquele cadáver semi-insensível.
Quanto ao criado, como, tal como dissemos, havia vinte e cinco anos que servia o amo, conhecia tão bem todos os seus hábitos que era raro Noirtier necessitar de lhe pedir qualquer coisa.
Villefort não precisava, porém, da ajuda nem de um nem de outro para entabular com o pai a singular conversa que vinha provocar. Ele próprio, como dissemos, conhecia perfeitamente o vocabulário do velho, e se o não utilizava com mais frequência era por comodismo e indiferença. Deixou portanto Valentine descer ao jardim, mandou Barrois embora e, depois de se sentar à direita do pai, enquanto a Sr.ª de Villefort se sentava à esquerda, começou:
- Senhor, não se admire de Valentine não ter subido connosco e de ter afastado Barrois, porque a conferência que vamos ter é daquelas que se não podem efectuar diante de uma jovem ou de um criado. A Sr.ª de Villefort e eu temos uma comunicação a fazer-lhe.
O rosto de Noirtier permaneceu impassível durante este preâmbulo, ao passo que, pelo contrário, o olhar de Villefort parecia querer penetrar até ao âmago do coração do velho.
- A Sr.ª de Villefort e eu - prosseguiu o procurador régio no seu tom gelado e que parecia nunca admitir contestação - estamos certos de que esta comunicação lhe agradará.
O olhar do velho continuou a permanecer inexpressivo. Limitava-se a escutar.
- Senhor - prosseguiu Villefort -, vamos casar Valentine.
Uma figura de cera não teria ficado mais fria ao ouvir esta notícia do que ficou o semblante do velho.
- O casamento realizar-se-á dentro de três meses - acrescentou Villefort.
O olhar do velho continuou inanimado. A Sr.ª de Villefort tomou por sua vez a palavra e apressou-se a acrescentar:
- Pensámos que esta notícia lhe interessasse, senhor, tanto mais que Valentine sempre pareceu merecer a sua afeição.