Os olhos de Noirtier lançaram um relâmpago, como que a significar que não se deixava enganar pelo falso assentimento dado pela Sr.ª de Villefort às intenções que ela lhe supunha.
- É então a Mademoiselle Valentine de Villefort que lega esses novecentos mil francos? - perguntou o notário, que julgava nada mais haver a fazer do que registar aquela cláusula, mas que, no entanto, tinha de se assegurar do assentimento de Noirtier e desejava que esse assentimento fosse verificado por todas as testemunhas da estranha cena.
Valentine dera um passo atrás e chorava de olhos baixos. O velho fitou-a um instante com expressão de profunda ternura; depois, virou-se para o notário e piscou os olhos de forma bastante significativa.
- Não? - disse o notário. - Como, não é Mademoiselle Valentine de Villefort quem institui sua herdeira universal?
Noirtier fez sinal que não.
- Não está enganado? - insistiu o notário, atónito. – Quer mesmo dizer não?
- Não! - repetiu Noirtier. - Não!
Valentine levantou a cabeça. Estava estupefacta, não por ser deserdada, mas sim por ter provocado o sentimento que habitualmente dita semelhantes actos.
Mas Noirtier olhou-a com tão profunda expressão de ternura que ela exclamou:
- Oh, meu bom avô, bem vejo que só me priva da sua fortuna! Mas deixar-me-á sempre o seu coração?
- Oh, sim, certamente! - disseram os olhos do paralítico, fechando-se com uma expressão que não podia enganar Valentine.
- Obrigada! Obrigada! - murmurou a jovem.
Entretanto, a rejeição fizera nascer no coração da Sr.ª de Villefort uma esperança inesperada. Aproximou-se do velho e perguntou:
- Então, é ao seu neto Édouard de Villefort que deixa a sua fortuna, caro Sr. Noirtier?
O batimento de pálpebras foi terrível, quase exprimia ódio.
- Não - disse o notário.
- Então, é ao senhor seu filho aqui presente?
- Não - replicou o velho.
Os dois notários entreolharam-se estupefactos. Villefort e a mulher sentiram-se corar, um de vergonha e o outro de cólera.
- Mas que lhe fizemos nós, avô? - perguntou Valentine. – Já não gosta de nós?
O olhar do velho passou rapidamente pelo filho e pela nora e deteve-se em Valentine com expressão de profunda ternura.
- Sendo assim - disse ela -, se de facto me amas, avô, procura conjugar esse amor com o que fazes neste momento. Conheces-me, sabes que nunca pensei na tua fortuna. Aliás, dizem que sou rica pelo lado da minha mãe, demasiado rica até. Vamos, explica-te.
Noirtier cravou o olhar ardente na mão de Valentine.
- A minha mão? - perguntou ela.
- Sim - respondeu Noirtier.
- A sua mão! - repetiram todos os presentes.