- Bom, já que as coisas estão neste pé, aproveito a oportunidade para fazer a minha declaração – redarguiu Monte-Cristo.
- A sua declaração? - repetiu Villefort.
- Sim, e diante de testemunhas.
- Tudo isto é deveras interessante - disse Debray. - E se houve realmente crime, vamos fazer admiravelmente a digestão.
- Houve crime - insistiu Monte-Cristo. - Venham por aqui, meus senhores. Venha, Sr. de Villefort. Para que a declaração seja válida, deve ser feita às autoridades competentes.
Monte-Cristo pegou no braço de Villefort, ao mesmo tempo que apertava debaixo do seu o da Sr.ª Danglars, e arrastou o procurador régio até ao plátano, onde a sombra era mais espessa.
Todos os outros convidados os seguiram.
- Veja - disse Monte-Cristo. - Aqui, precisamente aqui – e batia na terra com o pé -, aqui, para rejuvenescer estas árvores, já velhas, mandei cavar a terra e adubá-la. Pois bem, os meus trabalhadores, ao cavarem, desenterraram um cofre, ou antes, as ferragens de um cofre, no meio das quais estava o esqueleto de uma criança recém-nascida. Espero que não tomem isto como fantasmagoria...
Monte-Cristo sentiu retesar-se o braço da Sr.ª Danglars e tremer a mão de Villefort.
- Uma criança recém-nascida? - repetiu Debray. - Diabo, parece-me que o caso está a pôr-se sério...
- Bom - interveio Château-Renaud -, não me enganava portanto quando afirmava há pouco que as casas tinham uma alma e um rosto como os homens e que na sua fisionomia transparecia um reflexo do seu íntimo. A casa era triste porque tinha remorsos, e tinha remorsos porque ocultava um crime.
- Quem diz que é um crime? - contrapôs Villefort, tentando um derradeiro esforço.
- Como, uma criança enterrada viva num jardim não é um crime? -exclamou Monte-Cristo. - Como designa então essa acção, Sr. Procurador Régio?
- Mas quem diz que foi enterrada viva?
- Para quê enterrá-la aqui se estivesse morta? Este jardim nunca foi um cemitério.
- Que fazem aos infanticidas neste país? - perguntou ingenuamente o major Cavalcanti.
- Meu Deus, cortam-lhes muito simplesmente o pescoço! - respondeu Danglars.
- Ah, cortam-lhes o pescoço!... - repetiu Cavalcanti.
- Parece-me... Não é assim, Sr. de Villefort? - perguntou Monte-Cristo.
- É, Sr. Conde - respondeu o interpelado num tom que já não tinha nada de humano.
Monte-Cristo viu que as duas personagens para as quais preparara aquela cena não podiam suportar mais. E como não queria levá-las demasiado longe, mudou de assunto:
- Então o café, meus senhores? Parece-me que o esquecemos! E levou os convidados para a mesa colocada no meio do relvado.