Cobria-lhe a cabeça, de cabelos grisalhos e sujos de terra, um lenço de quadrados vermelhos e envolvia-lhe o corpo alto, magro e ossudo, cujos ossos, como os de um esqueleto, davam a sensação de tilintar ao andar, um camisolão dos mais sebosos e esburacados que se possa imaginar. Por último, a mão que se apoiou no ombro de Andrea, e que foi a primeira coisa que o rapaz viu, pareceu-lhe de uma dimensão gigantesca.
O jovem reconheceu aquela cara à claridade da lanterna do tílburi ou ficou apenas impressionado com o aspecto horrível do seu interlocutor? Não o, saberíamos dizer.
Mas o tacto é que estremeceu e recuou vivamente.
- Que me quer? - perguntou.
- Perdão, nosso burguês! - respondeu o homem, levando a mão ao lenço vermelho. - Incomodo-o, talvez, mas preciso de lhe falar.
- Não se mendiga de noite - interveio o groom, esboçando um gesto para desembaraçar o amo do importuno.
- Eu não mendigo, meu lindo menino - respondeu o homem desconhecido ao criado, com um sorriso irónico e tão horrível que o rapaz se afastou. - Desejo apenas dizer duas palavras ao seu patrão, que me encarregou de um recado há quinze dias, pouco mais ou menos.
- Vejamos, que deseja? Diga depressa, meu amigo - atalhou Andrea em tom bastante decidido para que o criado não notasse a sua atrapalhação.
- Desejaria... desejaria... - redarguiu baixinho o homem do lenço encarnado - que se dignasse poupar-me o sacrifício de regressar a Paris a pé. Estou muito cansado e, como não jantei tão bem como tu, mal me tenho nas pernas.
O jovem estremeceu perante esta estranha familiaridade.
- Mas enfim, que deseja? - insistiu.
- Desejo que me deixes subir para a tua bela carruagem e que me leves ao meu destino.
Andrea empalideceu, mas não respondeu.
- Meu Deus, sim! - insistiu o homem do lenço encarnado, metendo as mãos nas algibeiras e fitando o rapaz com olhos provocadores. - É cá uma ideia das minhas, percebes, meu querido Benedetto?...
Ao ouvir este nome, o jovem reflectiu sem dúvida, pois aproximou-se do groom e disse-lhe:
- Este homem foi efectivamente encarregado por mim de um recado de que me vem dar conta. Vai a pé até à barreira e toma lá um cabriolé a fim de não chegares atrasado.
O criado afastou-se, surpreendido.
- Deixe-me ao menos chegar ao escuro - pediu Andrea.
- Oh, quanto a isso, eu mesmo vou levar-te para um excelente lugar! Espera aí - disse o homem do lenço vermelho.
E pegando no cavalo pelo freio conduziu o tílburi para um sítio onde era efectivamente impossível a quem quer que fosse ver a honra que lhe concedia Andrea.