Quanto a Lorde Wilmore, residia da Rua Fontaine - Saint-Georges. Era um desses turistas ingleses que gastam toda a sua fortuna em viagens. Alugara mobilado o apartamento em que morava, no qual passava apenas duas ou três horas por dia e onde raramente dormia. Uma das suas manias era recusar-se terminantemente a falar a língua francesa, que no entanto escrevia, afirmava-se, com muita pureza.
No dia seguinte àquele em que estas preciosas informações chegaram às mãos do Sr. Procurador Régio, um homem que se apeara de uma carruagem à esquina da Rua Férou foi bater a uma porta pintada de verde-azeitona e perguntou pelo abade Busoni.
- O Sr. Abade saiu logo de manhãzinha - respondeu o criado.
- Poderia não me contentar com essa resposta - redarguiu o visitante -, porque venho da parte de uma pessoa para quem toda a gente está sempre em casa. Mas queira entregar ao abade Busoni...
- Já lhe disse que não estava - repetiu o criado.
- Então, quando voltar, entregue-lhe este cartão e esta carta. O Sr. Abade estará em casa às oito horas, esta noite?
- Com certeza, senhor, a menos que o Sr. Abade trabalhe, porque então é como se tivesse saído.
- Voltarei portanto esta noite, à hora indicada - disse o visitante.
E retirou-se.
Com efeito, à hora indicada o mesmo homem voltou na mesma carruagem, que, desta vez, em lugar de parar à esquina da Rua Férou, se deteve diante da porta verde. Bateu, abriram e entrou.
Pelos sinais de respeito de que o criado foi pródigo para com ele, compreendeu que a sua carta produzira o efeito desejado.
- O Sr. Abade está em casa? - perguntou? - Está. Trabalha na sua biblioteca, mas vai atender o senhor respondeu o criado.
O desconhecido subiu uma escada bastante íngreme e, diante de uma secretária cujo tampo estava inundado da luz que concentrava um grande quebra-luz, enquanto o resto da sala ficava na sombra, viu o abade, em vestes eclesiásticas e com a cabeça coberta por um desses capuzes com que ocultavam o crânio os pretensos sábios da Idade Média.
- É ao Sr. Busoni que tenho a honra de falar? - perguntou o visitante.
- É, sim, senhor - respondeu o abade. - E o senhor é a pessoa que o Sr. de Boville, antigo intendente das prisões, me manda da parte do Sr. Prefeito da Polícia?
- Exactamente, senhor.
- Um dos agentes afectos à Segurança de Paris?
- Sim, senhor - respondeu o desconhecido, com uma espécie de hesitação e sobretudo um pouco de rubor.
O abade reajustou os grandes óculos, que lhe cobriam não só os olhos, mas também as têmporas, e voltando a sentar-se, fez sinal ao visitante para se sentar igualmente.