Valentine aproximara-se, ou antes, aproximara os lábios da grade, e as suas palavras deslizavam, com o seu hálito perfumado, até aos lábios de Morrel, que colava a boca do outro lado do frio e inexorável tapume.
- Adeus! - despediu-se Valentine, arrancando-se àquele enleio. - Adeus!
- Escrever-me-ás?
- Sim.
- Obrigado, querida mulher! Adeus.
Ouviu-se o ruído de um beijo inocente e perdido e Valentine fugiu por baixo das tílias.
Morrel escutou os últimos ruídos do seu vestido ao roçar na vegetação e dos seus pés a fazerem ranger o saibro, ergueu os olhos ao céu com um sorriso inefável para agradecer a Deus permitir-lhe ser amado assim, e desapareceu por seu turno.
O rapaz regressou a casa e esperou durante todo o resto da noite e durante todo o dia seguinte sem receber nada. Por fim, dois dias depois, por volta das dez horas da manhã, quando se preparava para ir procurar o Sr. Deschamps, o notário, recebeu pelo correio um bilhetinho que reconheceu ser de Valentine, embora nunca lhe tivesse visto a letra. Era concebido nestes termos:
Lágrimas, súplicas, rogos, nada conseguiram. Ontem, estive durante duas horas na Igreja de S. Filipe do Roule, e durante essas duas horas pedi a Deus do fundo da alma. Mas Deus mostra-se insensível como os homens e a assinatura do contrato está marcada para esta noite às nove horas.
Só tenho uma palavra, tal como só tenho um coração, Morrel; e essa palavra dei-ta. Quanto ao coração, é teu!
Portanto esta noite, às nove horas menos um quarto, espero-te no portão.
Tua mulher,
Valentine de Villefort
P.S. - A minha pobre avó vai de mal a pior. Ontem, a sua exaltação transformou-se em delírio; hoje, o seu delírio é quase loucura. Amar-me-ás muito, não é verdade, Morrel, para me esquecer de que a deixarei neste estado? Creio que escondem ao avô Noirtier que a assinatura do contrato está marcada para esta noite.
Morrel não se contentou com as informações que lhe dava Valentine. Foi a casa do notário, que lhe confirmou a notícia de que a assinatura do contrato estava marcada para as nove horas da noite.
Em seguida passou por casa de Monte-Cristo e foi lá que soube o resto: Franz viera anunciar a cerimónia; pela sua parte, a Sr.ª de Villefort escrevera ao conde pedindo-lhe desculpa por o não convidar, mas a morte do Sr. de Saint-Méran e o estado em que se encontrava a viúva lançavam sobre a reunião um véu de tristeza, que não queria nublasse a fronte do conde, a quem desejava as maiores felicidades.
Na véspera, Franz fora apresentado à Sr.ª de Saint-Méran, que deixara o leito para essa apresentação e para ele voltara imediatamente.