Como é fácil de compreender, Morrel encontrava-se num estado de agitação que não podia escapar a um olhar tão penetrante como era o do conde. Por isso, Monte-Cristo foi para com ele mais afectuoso do que nunca; tão afectuoso que por duas ou três vezes Maximilien esteve prestes a contar-lhe tudo.
Recordou-se, porém, da promessa formal feita a Valentine e o seu segredo permaneceu-lhe no fundo do coração.
O jovem releu vinte vezes durante o dia a carta de Valentine.
Era a primeira vez que ela lhe escrevia e logo naquelas circunstâncias. Todas as vezes que relia a carta, Maximilien renovava a si mesmo o juramento de tornar Valentine feliz. Com efeito, que autoridade não tem a rapariga que toma uma resolução tão corajosa! Que dedicação não merece da parte daquele a quem tudo sacrifica! Como deve ser realmente para o seu apaixonado o primeiro e mais digno objecto do seu culto! É simultaneamente rainha e mulher e um coração não basta para lhe agradecer e para a amar.
Morrel pensava com inexprimível agitação no momento em que Valentine chegaria e diria: “Aqui estou, Maximilien, sou tua!”
Organizara pormenorizadamente a fuga: escondera duas escadas na luzerna do cercado; esperava-os um cabriolé, que o próprio Maximilien conduziria; nada de criados, nada de luzes; só virada a esquina da primeira rua acenderiam as lanternas, a fim de evitarem, por um excesso de precauções, cair nas mãos da Polícia.
De vez em quando todo o corpo de Morrel era percorrido por arrepios. Pensava no momento em que, do cimo do muro, protegeria a descida de Valentine e em que sentiria trémula e abandonada nos seus braços aquela a quem nunca apertara mais do que a mão e beijara a ponta dos dedos.
Mas quando chegou a tarde, quando Morrel sentiu aproximar-se a hora, experimentou a necessidade de estar só. O sangue fervia-lhe, as simples perguntas ou até apenas a voz de um amigo tê-lo-iam irritado. Fechou-se no seu quarto e tentou ler; mas o seu olhar deslizou pelas páginas sem nada compreender do que nelas estava escrito, e acabou por largar o livro para voltar a desenhar pela segunda vez o seu plano, as suas escadas e o seu terreno.
Por fim a hora aproximou-se.
Nunca um homem deveras apaixonado deixou os relógios marcarem tranquilamente o tempo. Morrel atormentou de tal forma os seus que eles acabaram por marcar oito e meia às seis horas. Disse então para consigo que era tempo de ir, que nove horas era efectivamente a hora da assinatura do contrato, mas que segundo todas as probabilidades, Valentine não esperaria por essa assinatura inútil, e depois de tudo isto Morrel cometeu a proeza de partir da Rua Meslay às oito e meia no seu relógio de sala e entrar no cercado quando davam oito horas em S. Filipe do Rouie!