- Cautela, Valentine - aconselhou Morrel, hesitando em fazer o que a jovem lhe ordenava. - Cautela! A venda caiu-me dos olhos e vindo aqui pratiquei um acto de demência. Está bem certa do que vai fazer, querida amiga?
- Estou - respondeu Valentine - e só tenho um escrúpulo no mundo: deixar sós os restos mortais da minha pobre avó, que me encarreguei de velar.
- Valentine, a morte é sagrada por si mesma - observou Morrel.
- Pois é - concordou a jovem. - De resto, a ausência será curta. Venha.
Valentine atravessou o corredor e desceu uma escadinha que levava aos aposentos de Noirtier. Morrel seguiu-a em bicos de pés. Chegados ao patamar dos aposentos, encontraram o velho criado.
- Barrois, feche a porta e não deixe entrar ninguém - ordenou-lhe Valentine.
Foi a primeira a entrar.
Noirtier, ainda na sua poltrona, atento ao mais pequeno ruído, informado pelo seu velho criado de tudo o que se passava, olhava ansiosamente para a entrada do quarto. Viu Valentine e os seus olhos brilharam.
Havia no andar e na atitude da jovem algo de grave e solene que impressionou o velho. Por isso, de brilhantes que estavam os seus olhos, tornaram-se interrogadores.
- Querido avô - disse ela em tom breve - escuta-me bem. Sabes que a avozinha Saint-Méran morreu há uma hora e que, exceptuando tu, agora não tenho mais ninguém que me ame no mundo?
Uma expressão de infinita ternura passou pelos olhos do velho.
- Portanto, só a ti, não é verdade, posso confiar os meus desgostos e as minhas esperanças?
O paralítico fez sinal que sim. Valentine tomou Maximilien pela mão.
- Então, olha bem para este senhor.
O velho pousou os olhos perscrutadores e levemente atónitos em Morrel.
- É o senhor Maximilien Morrel - continuou Valentine -, o filho daquele honesto comerciante de Marselha de quem sem dúvida ouviste falar...
- Sim - indicou o velho.
- É um nome irrepreensível, que Maximilien está em vias de tornar glorioso, porque aos trinta anos é capitão de sipaios e oficial da Legião de Honra.
O velho fez sinal de que se lembrava dele.
- Pois bem, avozinho - disse Valentine, ajoelhando diante do velho e indicando Maximilien com a mão -, amo-o e só serei dele! Se me obrigarem a casar com outro, deixar-me-ei morrer ou matar-me-ei.
Os olhos do paralítico exprimiam um mundo de pensamentos tumultuosos.
- Tu gostas do Sr. Maximilien Morrel, não é verdade, avozinho? - perguntou a jovem.
- Gosto - indicou o velho, imóvel.
- E podes proteger-nos, visto sermos também teus filhos, da vontade do meu pai?