O Conde de Monte Cristo - Cap. 77: Haydée Pág. 738 / 1080

Monte-Cristo virou-se para Haydée, e com um franzir de sobrolho indicativo de que devia conceder a maior atenção à recomendação que lhe ia fazer, disse-lhe em grego:

- Conta-nos o destino do teu pai, mas não digas o nome do traidor nem fales da traição.

Haydée soltou um longo suspiro e uma nuvem escura passou-lhe pela fronte tão pura.

- Que lhe disse? - perguntou Morcerf em voz baixa.

- Repeti-lhe que o senhor é um amigo e que não tem de se coibir na sua presença.

- Portanto - disse Albert -, esse remoto peditório para os prisioneiros é a sua primeira recordação. Qual é a outra?

- A outra? Vejo-me à sombra dos sicômoros, junto de um lago de que distingo ainda, através da folhagem, o espelho trémulo. O meu pai estava sentado em coxins ao pé do mais velho e frondoso, e eu, fraca criança, enquanto a minha mãe estava deitada aos pés do marido, brincava com a barba branca do meu progenitor, que lhe descia até ao peito. E com o canjar de punho de diamantes que trazia à cintura. Depois, de vez em quando, aproximava-se dele um albanês que lhe dizia algumas palavras a que eu não prestava atenção e às quais ele respondia no mesmo tom de voz: «matem!», ou: «perdoem!»

- É estranho - observou Albert - ouvir sair tais coisas da boca de uma jovem, sem ser num teatro.

Ao mesmo tempo, dizia para consigo: «Isto não é ficção.» E em seguida perguntou:

- Comparados com esse ambiente tão poético e com esse passado maravilhoso, como acha a França?

- Creio que é um belo país - respondeu Haydée. - Mas eu vejo a França tal como é, porque a vejo com olhos de mulher, ao passo que me parece, pelo contrário, que o meu país, que só vi com olhos de criança, está sempre envolto numa neblina luminosa ou sombria, conforme os meus olhos a vêem como uma doce pátria ou como um lugar de amargos sofrimentos.

- Tão jovem signora - disse Albert, cedendo, mal-grado seu, ao poder da banalidade -, como pode ter sofrido?

Haydée olhou para Monte-Cristo, que, fazendo um sinal imperceptível, murmurou:

- Conta.

- Nada compõe o fundo da alma como as primeiras recordações, e, exceptuando as duas que acabo de lhe referir, todas as recordações da minha juventude são tristes.

- Fale, fale, signora - pediu Albert -, pois juro-lhe que a escuto com inexprimível prazer.

Haydée sorriu tristemente.

- Quer então que passe às minhas outras recordações?... - perguntou.

- Suplico-lhe - respondeu Albert.

- Pois bem, tinha quatro anos quando, uma noite, fui acordada por minha mãe. Estávamos no palácio de Janina. Ela pegou-me dos coxins onde eu dormia e quando abri os olhos vi os seus cheios de grossas lágrimas.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069