O Conde de Monte Cristo - Cap. 77: Haydée Pág. 739 / 1080

»Levou-me sem dizer nada.

»Ao vê-la chorar, eu ia chorar também.

»- Silêncio, filha! - disse-me ela.

»Muitas vezes, apesar das consolações ou das ameaças maternas, eu, caprichosa como todas as crianças, continuava a chorar. Mas desta vez havia na voz da minha pobre mãe tal intonação de terror que me calei imediatamente.

»Ela levava-me rapidamente.

»Vi então que descíamos uma escada larga. Diante de nós, todas as criadas da minha mãe, com cofres, saquinhos, objectos de adorno, jóias e bolsas de ouro desciam a mesma escada, ou antes, precipitavam-se por ela.

»Atrás das mulheres vinha uma guarda de vinte homens armados de compridas espingardas e pistolas e envergando aquele traje que os senhores conhecem em França desde que a Grécia voltou a ser uma nação.

»Havia algo de sinistro, acredite - acrescentou Haydée, abanando a cabeça e empalidecendo só de rememorar tais acontecimentos -, naquela longa fila de escravas e mulheres meio entorpecidas pelo sono, ou pelo menos assim me parecia, pois talvez julgasse os outros adormecidos por estar mal acordada.

»Na escada corriam sombras gigantescas, que os archotes de abeto faziam tremer nas abóbadas.

»- Despachem-se! - gritou uma voz ao fundo da galeria.

»Aquela voz fez curvar toda a gente, tal como o vento ao passar pela planície faz curvar um campo de espigas.

»A mim fez-me estremecer.

»Aquela voz era a do meu pai.

»Vinha atrás, envergando os seus esplêndidos trajes e empunhando uma carabina que o vosso imperador lhe oferecera; e, ajudado pelo seu favorito Selim, levava-nos adiante de si como um pastor leva um rebanho tresmalhado.

»O meu pai - disse Haydée, erguendo a cabeça - era um homem ilustre que a Europa conheceu sob o nome de Ali-Tebelin, paxá de Janina, e diante do qual a Turquia tremeu.

Sem saber porquê, Albert estremeceu ao ouvir estas palavras, proferidas com indefinível acento de altivez e dignidade.

Pareceu-lhe que algo sombrio e assustador brilhava nos olhos da jovem quando, qual pitonisa que evoca um fantasma, recordou a figura sangrenta, cuja morte terrível tornou gigantesca aos olhos da Europa contemporânea.

- Em breve - continuou Haydée - a corrida se deteve.

Estávamos ao fundo da escada e à beira de um lago. A minha mãe apertava-me ao peito ofegante, e vi, dois passos atrás, meu pai, que deitava para todos os lados olhares inquietos.

»Diante de nós estendiam-se quatro degraus de mármore, e ao fundo do último degrau balouçava uma barca.

»Donde estávamos via-se no meio do lago uma massa escura; era o quiosque para onde íamos.

»O quiosque parecia-me encontrar-se a uma distância considerável, talvez devido à obscuridade.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069