»Metemo-nos na barca. Lembro-me de que os remos não faziam nenhum ruído ao tocar na água. Inclinei-me para os ver: estavam envoltos nas faixas dos nossos palicários.
»Na barca, além dos remadores, só seguiam mulheres, meu pai, minha mãe, Selim e eu.
»Os palicários tinham ficado à beira do lago, ajoelhados no último degrau e utilizando os outros três como parapeito para o caso de serem atacados.
»A nossa barca voava como o vento.
»- Porque vai a barca tão depressa? - perguntei à minha mãe.
»- Caluda, minha filha - respondeu-me ela. - É porque fugimos.
»Não compreendi. Porque fugia o meu pai, o homem todo-poderoso diante do qual habitualmente fugiam os outros e que tomara como divisa: Odeiam-me, portanto temem-me?
»Com efeito, era uma fuga o que o meu pai empreendia através do lago. Disse-me depois que a guarnição do castelo de Janina, cansada de um longo período de serviço...
Aqui, Haydée pousou o seu olhar expressivo em Monte-Cristo, que não tirava os olhos dela. Em seguida continuou lentamente, como quem inventa ou suprime.
- Dizia, signora - interveio Albert, que prestava a maior atenção à narrativa -, que a guarnição de Janina, cansada de um longo período de serviço...
- Se entendera com o serasqueiro Kurchid, enviado pelo sultão para se apoderar do meu pai. Fora então que o meu pai resolvera retirar-se, depois de enviar ao sultão um oficial francês em quem depositava toda a confiança, para o retiro que ele próprio preparara havia muito tempo e a que chamava kataplrygion, ou seja, o seu refúgio.
- E lembra-se do nome desse oficial, signora? - perguntou Albert.
Monte-Cristo trocou com a jovem um olhar rápido como um relâmpago, mas que passou despercebido a Morcerf
- Não, não me recordo - respondeu ela. - Mas talvez tarde me recorde e então dir-lho-ei.
Albert ia pronunciar o nome do pai, quando Monte-Cristo levantou devagar o dedo em sinal de silêncio. O jovem lembrou-se do seu juramento e calou-se.
- Era para o quiosque que vogávamos.
»Um rés-do-chão ornado de arabescos e com os terraços ao nível da água, e um primeiro andar que dava para o lago, era tudo o que o palácio oferecia de visível à vista.
»Mas por baixo do rés-do-chão e prolongando-se pela ilha ficava um subterrâneo, uma grande caverna para onde nos levavam, minha mãe, eu e as nossas criadas, e se amontoavam sessenta mil bolsas e duzentos barris. Nas bolsas havia vinte e cinco milhões em ouro e nos barris trinta mil libras de pólvora.