»Selim, o favorito do meu pai de quem já lhe falei, velava dia e noite junto dos barris, tendo na mão uma lança na ponta da qual ardia uma mecha. Tinha ordem de fazer ir tudo pelo ar, quiosque, guardas, paxá, mulheres e ouro, ao primeiro sinal do meu pai
»Recordo-me de que as nossas escravas, conhecedoras daquela temível vizinhança, passavam os dias e as noites a rezar, a chorar e a gemer.
»Quanto a mim, não me sai da retina o jovem soldado pálido e de olhos negros, e quando o anjo da morte descer até mim, estou certa de que reconhecerei Selim.
»É-me impossível dizer quanto tempo ficámos assim. Nessa época, ainda ignorava o que era o tempo. às vezes, mas raramente, meu pai mandava-nos chamar, a minha mãe e a mim, ao terraço do palácio. Eram as minhas horas de recreio, à margem daquelas em que só via no subterrâneo sombras gemebundas e a lança acesa de Selim. Sentado diante de uma grande abertura, meu pai observava com olhar sombrio as profundezas do horizonte, e especialmente cada ponto negro que aparecia no lago, enquanto a minha mãe, semideitada junto dele, apoiava a cabeça no seu ombro e eu brincava a seus pés, admirando com os exageros da infância, que aumentam ainda mais os objectos, as escarpas do Pindo, que se erguiam no horizonte, os palácios de Janina, que saíam brancos e angulosos das águas do lago, e os imensos tufos de verdura escura, presos como líquenes às rochas da montanha, que de longe pareciam musgos, mas de perto eram abetos gigantescos e mirtos infindáveis.
»Uma manhã, meu pai mandou-nos chamar. Encontrámo-lo bastante calmo, mas mais pálido do que de costume.
»- Tem paciência, Vasiliki, hoje tudo ficará resolvido. Hoje chega o irmão do sultão e a minha sorte será decidida. Se o perdão for completo, regressaremos triunfantes a Janina; se as notícias forem más, fugiremos esta noite.
»- E se não nos deixam fugir? - perguntou a minha mãe.
»- Oh, está tranquila - respondeu Ali, sorrindo. - Selim e a sua lança acesa encarregar-se-ão deles. gostariam de me ver morto, mas com a condição de não morrerem comigo.
»A minha mãe respondeu apenas com suspiros às suas palavras de conforto, que não partiam do coração do meu pai
»Ela preparou-lhe a água gelada que ele bebia a cada instante, pois desde que se retirara para o quiosque era devorado por uma febre ardente; perfumou-lhe a barba branca e acendeu-lhe o chíbuque, cujo fumo volatilizando-se no ar ele seguia às vezes durante horas inteiras, distraidamente, com os olhos.
»De súbito, fez um gesto tão brusco que me assustou.
»Depois, sem desviar os olhos do ponto de que fixava com atenção, pediu o óculo.
»A minha mãe passou-lho, mais branca do que o estuque a que se encostava.
»Vi a mão do meu pai tremer.