O Conde de Monte Cristo - Cap. 77: Haydée Pág. 741 / 1080

»Selim, o favorito do meu pai de quem já lhe falei, velava dia e noite junto dos barris, tendo na mão uma lança na ponta da qual ardia uma mecha. Tinha ordem de fazer ir tudo pelo ar, quiosque, guardas, paxá, mulheres e ouro, ao primeiro sinal do meu pai

»Recordo-me de que as nossas escravas, conhecedoras daquela temível vizinhança, passavam os dias e as noites a rezar, a chorar e a gemer.

»Quanto a mim, não me sai da retina o jovem soldado pálido e de olhos negros, e quando o anjo da morte descer até mim, estou certa de que reconhecerei Selim.

»É-me impossível dizer quanto tempo ficámos assim. Nessa época, ainda ignorava o que era o tempo. às vezes, mas raramente, meu pai mandava-nos chamar, a minha mãe e a mim, ao terraço do palácio. Eram as minhas horas de recreio, à margem daquelas em que só via no subterrâneo sombras gemebundas e a lança acesa de Selim. Sentado diante de uma grande abertura, meu pai observava com olhar sombrio as profundezas do horizonte, e especialmente cada ponto negro que aparecia no lago, enquanto a minha mãe, semideitada junto dele, apoiava a cabeça no seu ombro e eu brincava a seus pés, admirando com os exageros da infância, que aumentam ainda mais os objectos, as escarpas do Pindo, que se erguiam no horizonte, os palácios de Janina, que saíam brancos e angulosos das águas do lago, e os imensos tufos de verdura escura, presos como líquenes às rochas da montanha, que de longe pareciam musgos, mas de perto eram abetos gigantescos e mirtos infindáveis.

»Uma manhã, meu pai mandou-nos chamar. Encontrámo-lo bastante calmo, mas mais pálido do que de costume.

»- Tem paciência, Vasiliki, hoje tudo ficará resolvido. Hoje chega o irmão do sultão e a minha sorte será decidida. Se o perdão for completo, regressaremos triunfantes a Janina; se as notícias forem más, fugiremos esta noite.

»- E se não nos deixam fugir? - perguntou a minha mãe.

»- Oh, está tranquila - respondeu Ali, sorrindo. - Selim e a sua lança acesa encarregar-se-ão deles. gostariam de me ver morto, mas com a condição de não morrerem comigo.

»A minha mãe respondeu apenas com suspiros às suas palavras de conforto, que não partiam do coração do meu pai

»Ela preparou-lhe a água gelada que ele bebia a cada instante, pois desde que se retirara para o quiosque era devorado por uma febre ardente; perfumou-lhe a barba branca e acendeu-lhe o chíbuque, cujo fumo volatilizando-se no ar ele seguia às vezes durante horas inteiras, distraidamente, com os olhos.

»De súbito, fez um gesto tão brusco que me assustou.

»Depois, sem desviar os olhos do ponto de que fixava com atenção, pediu o óculo.

»A minha mãe passou-lho, mais branca do que o estuque a que se encostava.

»Vi a mão do meu pai tremer.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069