»- Uma barca!... Duas!... Três!... - murmurou o meu pai
- Quatro!...
»E levantou-se, pegou nas suas armas e deitou, lembro-me perfeitamente, pólvora na caçoleta das pistolas.
»- Vasiliki - disse a minha mãe, tremendo visivelmente -, chegou o instante que vai decidir de nós. Dentro de meia hora saberemos a resposta do Sublime Imperador. Retira-te para o subterrâneo com Haydée.
»- Não te quero deixar - redarguiu Vasiliki. - Se morreres, meu senhor, quero morrer contigo.
»- Vai para junto de Selim! - gritou o meu pai.
»- Adeus, senhor - murmurou minha mãe, obedecendo, dobrada em duas, como se esperasse a aproximação da morte.
»- Levem Vasiliki - ordenou meu pai aos seus palicários.
»Mas eu, de quem se esqueciam, corri para ele e estendi-lhe as mãos. Ele viu-me, inclinou-se para mim e beijou-me na testa.
»Oh, esse beijo foi o último e ainda o sinto na testa!
»Quando descemos distinguimos através das latadas do terraço as barcas que iam aumentando de tamanho no lago e que, semelhantes pouco antes a pontos negros, pareciam agora aves rasando a superfície das ondas.
»Entretanto, no quiosque, vinte palicários, sentados aos pés de meu pai e escondidos pelos madeiramentos, espiavam com olhos raiados de sangue a chegada dos barcos e tinham junto de si grandes espingardas incrustadas de madrepérola e prata; no parque encontravam-se espalhados numerosos cartuchos. Meu pai consultava o relógio e passeava angustiado.
»Foi isso que mais me impressionou quando deixei meu pai depois de me dar o último beijo que recebi dele.
»Atravessámos, minha mãe e eu, o subterrâneo. Selim continuava no seu posto. Sorriu-nos tristemente. Fomos buscar almofadas ao outro lado da caverna e viemos sentar-nos junto de Selim. Nos grandes perigos, procuram-se os corações dedicados e, apesar de muito criança, sentia instintivamente que uma grande desgraça pairava sobre a nossa cabeça.
Albert ouvira muitas vezes contar, não pelo pai, que nunca falava disso, mas sim por estranhos, os últimos momentos do vizir de Janina. Também lera diversas narrativas da sua morte.
Mas aquela história, tornada viva na pessoa e pela voz da jovem, aquele tom expressivo e aquela lamentável elegia, penetravam-no simultaneamente de um encanto e de um horror inexprimíveis.
Quanto a Haydée, toda entregue a tão terríveis recordações, calara-se por instantes. A sua cabeça, como uma flor que se verga em dia de tempestade, estava inclinada sobre uma das mãos, e os seus olhos, vagamente perdidos, pareciam ver ainda no horizonte o Pindo verdejante e as águas azuis do lago de Janina, espelho mágico que reflectia o quadro sombrio que ela esboçava.