Monte-Cristo olhava-a com indefinível expressão de interesse e piedade.
- Continua, minha filha - disse o conde em língua romaica.
Haydée ergueu a cabeça como se as palavras sonoras que Monte-Cristo acabara de pronunciar a tivessem arrancado a um sonho e prosseguiu:
- Eram quatro da tarde. Mas embora o dia estivesse límpido e brilhante lá fora, nós estávamos mergulhados na sombra do subterrâneo.
»Uma única claridade brilhava na caverna, semelhante a uma estrela tremeluzente no fundo de um céu negro: a mecha de Selim. A minha mãe, que era cristã, rezava.
»Selim repetia de vez em quando estas palavras consagradas: "Deus é grande!"
»No entanto, a minha mãe ainda tinha alguma esperança. Ao descer julgara reconhecer o francês que fora enviado a Constantinopla e no qual o meu pai depositava toda a confiança, pois sabia que os soldados do sultão francês eram geralmente nobres e generosos. Minha mãe deu alguns passos para a escada e escutou.
»- Aproximam-se - disse ela. - Oxalá tragam a paz e a vida.
»- Que receias, Vasiliki? - perguntou-lhe Selim, na sua voz tão suave e ao mesmo tempo tão orgulhosa. - Se não trouxerem a paz, dar-lhes-emos a morte.
»E espevitou a chama da lança com um gesto que o assemelhava ao Dionisos da antiga Creta.
»Mas eu, que era tão criança e tão ingénua, tinha medo daquela coragem que me parecia feroz e insensata, e horrorizava-me a morte terrível que pairava no ar e na chama.
»A minha mãe experimentava as mesmas impressões, porque sentia-a tremer.
»- Meu Deus! Meu Deus, mãezinha! - gritava. - Vamos morrer?
»E perante os meus gritos, os choros e as preces das escravas redobravam.
»- Criança - respondeu-me Vasiliki -, Deus te defenda de vires a desejar a morte que hoje temes!
»Depois, baixinho:
»- Selim, qual é a ordem do senhor? - perguntou.
»- Se me enviar o seu punhal, será sinal de que o sultão recusa perdoar-lhe e pego o fogo; se me mandar o seu anel, é porque o sultão lhe perdoa e deixo a pólvora.
»- Amigo - prosseguiu a minha mãe-, quando a ordem do senhor chegar, se for o punhal que enviar, em vez de nos matares a ambas dessa maneira que nos horroriza, estender-te-emos o pescoço e matar-nos-ás com o punhal.
»- Pois sim, Vasiliki - respondeu tranquilamente Selim.
»De súbito, ouvimos como que grandes gritos. Escutámos: eram gritos de alegria. Ouvia-se o nome do francês que fora enviado a Constantinopla repetido pelos nossos palicários. Era evidente que trazia a resposta do Sublime Imperador e que essa resposta era favorável.