- Pediria um semestre de adiantamento, a pretexto de me querer tornar elegível e desejar comprar uma quinta. Depois, quando me apanhasse com o meu semestre, punha-me ao fresco.
- Ah, ah! - exclamou Andrea. - Não está mal pensado, não, senhor!
- Meu caro amigo, come da minha cozinha e segue os meus conselhos - sentenciou Caderousse. - Só terás a ganhar, física e moralmente.
- Mas olha lá, porque não segues tu mesmo o conselho que dás? -inquiriu Andrea. - Porque não pedes um semestre adiantado, ou até mesmo um ano, e não te retiras para Bruxelas? Em vez deteres o ar de um padeiro reformado, terias o ar de um falido no exercício das suas funções. Seria um bom golpe.
- Mas como diabo queres tu que me retire com mil e duzentos francos?
- Ah, Caderousse, como te tornaste exigente! Há dois meses morrias de fome...
- Quanto mais se come, mais apetece comer - redarguiu Caderousse, mostrando os dentes como um macaco que ri ou como um tigre que brame. - Por isso - acrescentou, cortando com esses mesmos dentes, tão brancos e aguçados, apesar da idade, um enorme bocado de pão -, tracei um plano.
Os planos de Caderousse assustavam ainda mais Andrea do que as suas ideias. As ideias não passavam do germe, o plano era a realização.
- Vejamos esse plano. Deve ser bonito! - comentou Andrea.
- Porque não? O plano graças ao qual nos pirámos da choça de quem foi? Meu, segundo me consta. e não foi assim tão mau, parece-me, visto estarmos aqui!
- Não digo que não - concordou Andrea. - às vezes tens boas ideias... Mas enfim, vejamos o teu plano.
- Podes - prosseguiu Caderousse -, sem desembolsar um soldo, arranjar-me quinze mil francos?... Não, quinze mil francos é pouco: não quero tornar-me um homem honesto por menos de trinta mil francos!
- Não - respondeu secamente Andrea -, não posso.
- Parece-me que não me compreendeste - redarguiu fria e calmamente Caderousse. - Disse-te sem desembolsares um soldo...
- Com certeza não queres que roube para dar cabo de todo o meu negócio, e do teu com o meu, e voltarmos ambos para a choça?
- Oh, a mim tanto me faz que me apanhem como não! - exclamou Caderousse. - Sou um bocado complicado, como sabes, e às vezes sinto a falta dos camaradas. Não sou como tu, sem coração, que nunca mais querias tornar a vê-los!
Desta vez, Andrea fez mais do que estremecer, empalideceu.
- Vamos, Caderousse, deixemo-nos de tolices!
- Então, meu querido Benedetto, não te assustes... Mas indica-me um meiozinho de ganhar os trinta mil francos sem te meteres em nada. Deixar-me-ás actuar, e pronto!
- Está bem, verei... procurarei... - respondeu Andrea.