- Oh, então que venha alguém a quem possa denunciar o miserável!
- Quer que escreva a sua declaração? Assiná-la-á?
- Sim... sim... - disse Caderousse, cujos olhos brilhavam à ideia daquela vingança póstuma.
Monte-Cristo escreveu:
«Morro assassinado pelo corso Benedetto, meu companheiro de grilheta em Toulon com o n.º 59.»
- Despache-se! Despache-se! - insistiu Caderousse. – Desconfio que já não conseguirei assinar.
Monte-Cristo apresentou a pena a Caderousse, que, reunindo forças, assinou e voltou a cair na cama, dizendo:
- O senhor contará o resto, Sr. Abade. Dirá que se faz passar por Andrea Cavalcanti, que está hospedado no Hotel dos Príncipes, que... Ah, ah, meu Deus, meu Deus! Agora é que morro! E Caderousse desmaiou pela segunda vez.
O abade fê-lo respirar o conteúdo do frasco; o ferido reabriu os olhos.
- O seu desejo de vingança não o abandonara durante o desmaio.
- Dirá tudo isto, não é verdade, Sr. Abade?
- Sim, tudo isso e muitas outras coisas mais.
- Que dirá?
- Direi que sem dúvida lhe deu a planta desta casa na esperança de que o conde o matasse. Direi que prevenira o conde por meio de um bilhete. Direi que o conde estava ausente, que fui eu que recebi o bilhete e resolvi esperá-lo.
- E ele será guilhotinado, não é verdade? - perguntou Caderousse. - Será guilhotinado, promete-me? Morro com essa esperança, isso ajudar-me-á a morrer.
- Direi continuou o conde - que ele chegou atrás de si e que o espreitou durante todo o tempo; que quando o viu sair correu à esquina do muro e escondeu-se.
- Quer dizer que o senhor viu tudo isso?
- Lembre-se das minhas palavras: «Se regressares a casa são e salvo, acreditarei que Deus te perdoou e perdoar-te-ei também.»
- E não me avisou?! - gritou Caderousse, tentando levantar-se num cotovelo. - Sabia que ia ser morto quando saísse daqui e não me avisou!
- Não, porque na mão de Benedetto via a justiça de Deus e julgaria cometer um sacrilégio opondo-me às intenções da Providência.
- A justiça de Deus! Não me fale disso, Sr. Abade. Se houvesse uma justiça de Deus, sabe melhor do que ninguém que há pessoas que seriam castigadas e não o são.
- Paciência! - disse o abade num tom que fez estremecer o moribundo. - Paciência!
Caderousse olhou-o com espanto.
- E depois - prosseguiu o abade - Deus está cheio de misericórdia para todos, e também para ti. É pai antes de ser juiz.
- Ah! O senhor acredita portanto em Deus? - perguntou Caderousse.
- Se tivesse a desgraça de não ter acreditado nele até agora, acreditaria ao ver-te - respondeu Monte-Cristo.
Caderousse ergueu os punhos crispados ao céu.