Ali, o filho do deserto, encontrava-se no seu elemento, e com o seu rosto negro, os seus olhos ardentes e o seu albornoz cor de neve, parecia, no meio da poeira que levantava, o génio do sim um e o deus do furacão.
- Aí está uma volúpia que não conhecia, a volúpia da velocidade - declarou Morcerf.
E as últimas nuvens da sua fronte dissipavam-se, como se o ar que fendia levasse essas nuvens consigo.
- Mas onde diabo arranja o senhor semelhantes cavalos? - perguntou Albert. - Manda-os fazer de encomenda?
- Exactamente - respondeu o conde. - Há seis anos, encontrei na Hungria um garanhão famoso pela sua velocidade. Comprei-o, já não me lembro por quanto; foi Bertuccio quem o pagou. No mesmo ano, ele teve trinta e dois filhos. É toda essa progenitura do mesmo pai que vamos passar em revista. São todos iguais: negros, sem uma única malha, excepto uma estrela na testa, porque por esse privilégio da coudelaria se escolheram as éguas, tal como para os paxás se escolhem as favoritas.
- É admirável! ... Mas diga-me, conde, que faz o senhor com todos esses cavalos? - O que vê: viajo com eles.
- Mas decerto não viajará sempre...
- Quando me não forem mais necessários, Bertuccio vendê-los-á e pretende que ganhará trinta ou quarenta mil francos no negócio.
- Mas não haverá rei na Europa suficientemente rico para lhos comprar.
- Então, vendê-los-á a qualquer simples vizir do Oriente, que esvaziará o seu tesouro para os pagar e o voltará a encher vergustando as plantas dos pés dos seus súbditos.
- Conde, posso comunicar-lhe uma ideia que me ocorreu?
- Diga.
- É que, depois do senhor, Bertuccio deve ser o mais rico particular da Europa.
- Engana-se, visconde. Tenho a certeza de que se virar do avesso as algibeiras de Bertuccio não encontrará nelas nem um chavo.
- Porquê? - perguntou o jovem. - É algum fenómeno o Sr. Bertuccio? Ah. meu caro conde, não leve demasiado longe o maravilhoso ou deixarei de o acreditar, previno-o!
- O maravilhoso nunca me acompanha, Albert; trata-se apenas de uma questão de números e de bom senso. Ora atente neste dilema: um intendente rouba; mas rouba porquê?
- Demónio, porque isso lhe está na massa do sangue, parece-me! -respondeu Albert. - Rouba por roubar.
- Não, está enganado. Rouba porque tem uma mulher, filhos, desejos ambiciosos para ele e para a sua família; rouba sobretudo porque não tem a certeza de nunca deixar o patrão e porque quer garantir o futuro. Pois bem, o Sr. Bertuccio está sozinho no mundo; serve-se da minha bolsa sem me dar satisfações e tem a certeza de que nunca me deixará
- Porquê?
- Porque eu não encontraria um melhor do que ele.
- O senhor gira num círculo vicioso, o das probabilidades.