»Uma palidez esverdeada invadiu as faces do conde de Morcerf e os seus olhos injectaram-se de sangue ao ouvir aquelas acusações terríveis, que a assembleia acolheu com lúgubre silêncio.
»Haydée, sempre calma, mas muito mais ameaçadora na sua calma do que outra o seria na sua cólera, estendeu ao presidente o registo da venda, redigido em língua árabe.
»Como, se pensara que algumas das provas produzidas fossem redigidas em árabe, romaico ou turco, o intérprete da Câmara fora convocado. Chamaram-no. Um dos nobres pares a quem a língua árabe, que aprendera durante a sublime campanha do Egipto, era familiar seguiu no velino a leitura que o tradutor fez em voz alta: "Eu, El-Kobbir, negociante de escravos e fornecedor do harém, de S. M., reconheço ter recebido para a remeter ao sublime imperador, do senhor francês conde de Monte-Cristo, uma esmeralda avaliada em duas mil bolsas, para pagamento de uma jovem escrava cristã de onze anos de idade, chamada Haydée e filha reconhecida do defunto Sr. Ali-tebelin, paxá de Janina, e de Vasiliki, sua favorita; a qual me fora vendida há sete anos, com sua mãe, que morreu ao chegar a Constantinopla, por um coronel francês ao serviço do vizir Ali-Tebelin, chamado Fernand Mondego. A supracitada venda fora-me feita por conta de S. M., de quem tinha mandato, mediante a quantia de mil bolsas. Feito em Constantinopla, com autorização de S.M., no ano de 1247 da hégira. Assinado, EL-KOBBIR. Para lhe dar toda a fé, todo o crédito e toda a autenticidade, o presente documento será autenticado com o selo imperial, que o vendedor se obriga a que lhe seja aposto."
»Depois da assinatura do negociante, via-se efectivamente o selo do sublime imperador.
»Seguiu-se a tudo isto um silêncio terrível. O conde já só tinha olhos, e esses olhos, presos, mal-grado seu, a Haydée, pareciam de lume e de sangue.
»- Minha senhora, poderemos interrogar o conde de Monte-Cristo, que se encontra em Paris consigo, segundo creio? - perguntou o presidente.
»- Senhor - respondeu Haydée -, o conde de Monte-Cristo, meu outro pai, está na Normandia há três dias.
»- Mas então, minha senhora, quem lhe aconselhou esta diligência, que a comissão lhe agradece e que, aliás, é perfeitamente natural em face do seu nascimento e dos seus infortúnios? - perguntou o presidente.
»- Senhor - respondeu Haydée -, esta diligência foi-me aconselhada pelo meu respeito e pela minha dor. Apesar de cristã, sempre pensei (Deus me perdoe!) vingar o meu ilustre pai.