- O Sr. de Morcerf - continuou Beauchamp - olhava a mulher com uma surpresa laivada de terror. Para ele, era a vida ou a morte que ia sair daquela boca encantadora; para todos os outros, era uma aventura tão estranha e cheia de curiosidade que a salvação ou a perda do Sr. de Morcerf já só entrava no acontecimento como elemento secundário.
»O presidente ofereceu com um gesto de mão uma cadeira à jovem, mas ela fez sinal com a cabeça que ficaria de pé.
»Quanto ao conde, deixara-se cair na sua poltrona e era evidente que as pernas se recusavam a sustentá-lo.
»- Minha senhora - disse o presidente -, escreveu à comissão para lhe dar informações acerca do caso de Janina, e adiantou que fora testemunha ocular dos acontecimentos.
»- Fui-o, com efeito - respondeu a desconhecida numa voz cheia de encantadora tristeza e dessa sonoridade característica das vozes orientais.
»- No entanto - prosseguiu o presidente -, permita-me que lhe diga que devia ser muito nova então.
»- Tinha quatro anos. Mas como os acontecimentos se revestiam para mim de suprema importância, nem um pormenor saiu do meu espírito, nem uma particularidade escapou da minha memória.
»- Mas que importância tinham para si esses acontecimentos e quem é a senhora, para que essa grande catástrofe lhe tenha causado tão profunda impressão?
»- Tratava-se da vida ou da morte do meu pai - respondeu a jovem - e chamo-me Haydée, filha de Ali-Tebelin, paxá de Janina e de Vasiliki; sua esposa bem-amada.
»O rubor, ao mesmo tempo modesto e orgulhoso, que cobriu as faces da jovem, o fogo do seu olhar e a majestade da sua revelação produziram na assembleia um efeito inexprimível.
»Quanto ao conde, não ficaria mais aniquilado se um raio lhe tivesse aberto um abismo aos pés.
»- Minha senhora - prosseguiu o presidente, depois de se inclinar com respeito -, permita-me uma simples pergunta, que não é uma dúvida, e que será a última: pode confirmar a autenticidade do que disse?
»- Posso, senhor - respondeu Haydée, tirando debaixo do véu uma bolsinha de cetim perfumado. - Aqui está a minha certidão de nascimento, redigida por meu pai e assinada pelos seus principais oficiais, bem como a minha certidão de baptismo, pois meu pai consentiu que fosse educada na religião da minha mãe, certidão que o grande primaz da Macedónia e do Epiro autenticou com o seu selo, e finalmente (e isto é o mais importante, sem dúvida) o registo da venda da minha pessoa e da pessoa da minha mãe ao negociante arménio El-Kobbir pelo oficial francês que, no seu infame negócio com a Porta, reservara para si, como parte na pilhagem, a filha e a mulher do seu benfeitor, que vendeu por mil bolsas, isto é, por cerca de quatrocentos mil francos.