Ora, quando pus os pés em França, quando soube que o traidor morava em Paris, os meus olhos e os meus ouvidos ficaram constantemente abertos. Vivo retirada em casa do meu nobre protector, mas vivo assim porque gosto da sombra e do silêncio, que me permitem entregar-me aos meus pensamentos e ao meu recolhimento. Mas o Sr. Conde de Monte-Cristo rodeia-me de cuidados paternais e nada do que constitui a vida social me é estranho; apenas lhe aceito o ruído distante.
Assim, leio todos os jornais, tal como me enviam todos os álbuns e recebo todas as melodias. E foi acompanhando, sem nela interferir, a vida dos outros, que soube o que se passou esta manhã na Câmara dos Pares e o que se deveria passar esta tarde... Então, escrevi.
«- Portanto - perguntou o presidente -, o Sr. Conde de Monte-Cristo não tem nada a ver com a sua diligência?
»- Ignora-a completamente, senhor, e o meu único receio é que a desaprove quando o souber. No entanto, este foi um belo dia para mim - continuou a jovem, erguendo ao céu um olhar ardente como uma chama -, por ser aquele em que tive finalmente ensejo de vingar o meu pai.
»Durante todo este tempo o conde não pronunciara uma só palavra. Os seus colegas olhavam-no e sem dúvida lamentavam aquele êxito destruído pelo sopro perfumado de uma mulher. A sua desventura inscrevia-se-lhe pouco a pouco em caracteres sinistros no rosto.
»- Sr. de Morcerf - perguntou o presidente -, reconhece esta senhora como filha de Ali-Tebelin, paxá de Janina?
»- Não - respondeu Morcerf, fazendo um esforço para se levantar. - Trata-se de uma trama urdida pelos meus inimigos.
»Haydée, que tinha os olhos fixos na porta, como se esperasse alguém, virou-se bruscamente e, encontrando o conde de pé, soltou um grito terrível.
»- Não me reconheces - disse. - Pois eu reconheço-te, felizmente! És Fernand Mondego, o oficial francês que entregou as tropas do meu nobre pai. Foste tu que entregaste os castelos de Janina! Foste tu que, enviado por ele a Constantinopla para negociares directamente com o imperador a vida ou a morte do teu benfeitor, trouxeste um falso firmão que lhe concedia perdão completo! Foste tu que, com esse firmão, obtiveste o anel do paxá que te devia proporcionar a obediência de Selim, o guarda do fogo! Foste tu que apunhalaste Selim! Foste tu que nos vendeste, a minha mãe e a mim, ao negociante El-Kobbir! Assassino! Assassino! Assassino! Ainda tens na testa o sangue do teu senhor! Vejam todos!
»Estas palavras foram proferidas com tal acento de verdade que todos os olhos se viraram para a testa do conde, e ele próprio levou lá a mão, como se sentisse, ainda tépido, o sangue de Ali.