»- Reconhece portanto concretamente o Sr. de Morcerf como sendo o próprio oficial Fernand Mondego?
»- Se reconheço! - gritou Haydée. - Ó minha mãe, tu disseste-me: "Eras livre, tinhas um pai que amavas, estavas destinada a ser quase uma rainha! Olha bem aquele homem, foi ele que te fez escrava, foi ele que levou na ponta de um pique a cabeça do teu pai, foi ele que nos vendeu, foi ele que nos entregou. Se esqueceres o seu rosto, reconhecê-lo-ás por aquela mão, na qual caíram uma a uma as moedas de ouro do negociante El-Kobbir!" Sim, reconheço-o! Ele próprio que diga agora se me não reconhece.
»Cada palavra caía como um cutelo sobre Morcerf e cortava uma parcela da sua energia. Quando ouviu as últimas, escondeu vivamente no peito, mal-grado seu, a mão mutilada por um ferimento e voltou a cair na sua poltrona, mergulhado num sombrio desespero.
»Esta cena fizera turbilhonar os espíritos da assembleia, tal como vemos correr as folhas soltas do tronco das árvores arrastadas pelo vento poderoso do norte.
»- Sr. Conde de Morcerf - disse o presidente -, não se deixe abater, responda. A justiça do tribunal é suprema e igual para todos, como a de Deus. Ela não o deixará esmagar pelos seus inimigos sem lhe dar os meios de os combater.
Quer que se proceda a novos inquéritos? Quer que mande dois membros da Câmara a Janina? Fale!
»Morcerf não respondeu.
»Então, todos os membros da comissão se entreolharam com uma espécie de terror. Conheciam o temperamento enérgico e violento do conde; só uma terrível prostração poderia anular a defesa daquele homem; enfim, era mister pensar que àquele silêncio, que se assemelhava ao sono, sucederia um despertar que se assemelharia ao raio.
»- Então, que decide? - insistiu o presidente.
»- Nada! - respondeu o conde em voz abafada, levantando-se.
»- Portanto, o que a filha de Ali-Tebelin declarou é realmente a verdade? Ela é realmente a testemunha terrível a quem, como sempre acontece, o culpado não ousa responder NÃO? O senhor praticou realmente todos os actos de que o acusam? - perguntou o presidente.
»O conde lançou à sua volta um olhar cuja expressão desesperada comoveria tigres, mas que não podia desarmar juízes. Depois, levantou os olhos para a abóbada e desviou-os imediatamente, como se receasse que ela se abrisse e fizesse resplandecer esse segundo tribunal chamado Céu, esse outro juiz chamado Deus.