Sire, parta; abandone a França ao seu verdadeiro senhor, àquele que não a comprou, mas a conquistou. Parta, Sire, não porque corre qualquer perigo - o seu adversário é bastante forte para ser clemente -, mas sim porque seria humilhante para um neto de S. Luís dever a vida ao homem de Arcole, Marengo e Austerlitz.» Diz-lhe isto, Gérard, ou antes, não digas nada. Oculta a tua viagem; não te gabes do que vieste fazer e do que fizeste em Paris; retoma a posta; se queimaste o caminho para vir, devora o espaço para regressar, reentra em Marselha de noite; penetraem tua casa por uma porta das traseira e deixa-te lá ficar muito quietinho, muito apagado, muito escondido e sobretudo muito inofensivo, porque desta vez, juro-te, agiremos como pessoas enérgicas e que conhecem os seus inimigos. Vai, meu filho; vai, meu caro Gérard, e mediante esta obediência às ordens paternas ou, se preferires, a deferência para com os conselhos de um amigo, manter-te-emos no teu lugar. Será – acrescentou Noirtier sorrindo - uma maneira de me salvares segunda vez se a báscula política te recolocar um dia em cima e a mim em baixo. Adeus, meu caro Gérard. Na tua próxima viagem hospeda-te em minha casa.
E, ditas estas palavras, Noirtier saiu com a tranquilidade que não o deixara um instante enquanto durara aquela conversa tão difícil.
Villefort, pálido e agitado, correu à janela, entreabriu a cortina e viu-o passar calmo e impassível pelo meio de dois ou três homens de má catadura, emboscados ao canto dos marcos e à esquina das ruas, que talvez estivessem ali para prender o homem das suíças pretas, da sobrecasaca azul e do chapéu de abas largas.
Villefort permaneceu assim, de pé e arquejante, até o pai desaparecer no cruzamento da Rua de Bussy. Então, correu para os objectos abandonados por ele, meteu no mais profundo da mala agravata preta e a sobrecasaca azul, torceu o chapéu que escondeu na parte de baixo de um armário, partiu a bengala de bambu em três bocados que lançou ao lume, pôs um boné de viagem, chamou o criado de quarto, proibiu-lhe com um olhar as mil perguntas que tinha vontade de fazer, pagou a conta do hotel e saltou para asua carruagem, que o esperava pronta a partir. Soube em Lião que Bonaparte acabava de entrar em Grenoble e, no meio da agitação que reinava ao longo de toda a estrada, chegou a Marselha dominado por todas as angústias que entram no coração do homem com a ambição e as primeiras honras.