Avrigny continuou a fitar Noirtier. Viu os olhos do velho dilatarem-se e arregalarem-se, as faces tornarem-se-lhe lívidas e tremer; o suor perlou-lhe a testa.
- Ah! - exclamou involuntariamente o médico, seguindo a direcção do olhar de Noirtier, isto é, pousando os olhos na Sr.ª de Villefort, que repetia:
- Esta pobre criança estará melhor na cama. Venha, Fanny, vamos deitá-la.
O Sr. de Avrigny, que via nesta proposta um meio de ficar só com Noirtier acenou com a cabeça a significar que era efectivamente o melhor que havia a fazer, mas proibiu que a doente tomasse fosse o que fosse sem ele ordenar.
Levaram Valentine, que recuperara os sentidos, mas que se encontrava incapaz de agir e quase de falar, de tal modo tinha os membros quebrados pelo abalo que acabava de experimentar.
No entanto, ainda teve forças para se despedir com a vista do avô, a quem pareciam arrancar a alma levando-a.
Avrigny seguiu a doente, receitou e ordenou a Villefort que se metesse num cabriolé e fosse pessoalmente à farmácia mandar preparar na sua presença as poções prescritas, as trouxesse ele mesmo e o esperasse no quarto da filha.
Em seguida, depois de renovar a ordem de nada deixarem tomar a Valentine, voltou a descer aos aposentos de Noirtier, fechou cuidadosamente as portas e disse, depois de se assegurar que ninguém os escutava:
- Vejamos, sabe alguma coisa acerca da doença da sua neta?
- Sei - respondeu o velho.
- Ouça, não temos tempo a perder. Vou interrogá-lo e o senhor vai-me responder.
Noirtier fez sinal de que estava pronto para isso.
- Previu o acidente que aconteceu hoje a Valentine?
- Previ.
Avrigny reflectiu um instante e acrescentou, aproximando-se deNoirtier:
- Perdoe-me o que lhe vou dizer, mas nenhum indício deve ser esquecido na situação terrível em que nos encontramos. Viu morrer o pobre Barrois?
Noirtier ergueu os olhos ao céu.
- Sabe de que morreu? - perguntou Avrigny, pousando a mão no ombro de Noirtier.
- Sei - respondeu o velho.
- Acha que a sua morte foi natural?
Qualquer coisa como um sorriso esboçou-se nos lábios inertes de Noirtier.
- Nesse caso, ocorreu-lhe a ideia de Barrois ter sido envenenado?
- Sim.
- Parece-lhe que o veneno que o vitimou lhe era destinado?
- Não.
- E agora acha que tenha sido a mesma mão que feriu Barrois, embora querendo atingir outra pessoa a que feriu hoje Valentine?
- Sim.
- Ela vai portanto sucumbir também? - perguntou Avrigny, fixando o seu olhar profundo em Noirtier.
E esperou o efeito desta frase no velho.