Pensando bem, o comportamento de Villefort apresentava-se ainda à baronesa sob um aspecto mutuamente vantajoso.
Mas a inflexibilidade do procurador régio deveria ficar por aí.
No dia seguinte procurá-lo-ia e conseguiria, senão que faltasse aos seus deveres de magistrado, pelo menos que lhe concedesse toda a latitude da indulgência.
A baronesa invocaria o passado, rejuvenesceria as suas recordações e suplicaria em nome de um tempo culpado, mas feliz. O Sr. de Villefort abafaria o caso ou pelo menos deixaria (e para o conseguir só tinha de desviar os olhos para outro lado), ou pelo menos deixaria fugir Cavalcanti e só procederia judicialmente contra esse simulacro de crime chamado contumácia.
Só então adormeceu mais tranquila.
No dia seguinte, às nove horas, levantou-se e, sem tocar a chamar a criada de quarto, sem dar sinal de existência a quem quer que fosse, arranjou-se e, vestida com a mesma simplicidade da véspera, desceu a escada, saiu do palácio, foi a pé até à Rua da Provença, meteu-se num fiacre e fez-se conduzir a casa do Sr. de Villefort.
Havia um mês que aquela casa maldita apresentava o aspecto lúgubre de um lazareto onde a peste se tivesse declarado.
Parte dos aposentos estavam fechados interior e exteriormente. As persianas corridas só se abriam um instante para renovar o ar. Nessas ocasiões, via-se então aparecer à janela a cara assustada de um lacaio. Depois a janela fechava-se como a laje de um túmulo cai sobre um sepulcro e os vizinhos cochichavam: «Iremos ver hoje sair novamente um caixão da casa do Sr. Procurador Régio?»
A Sr.ª Danglars sentiu um arrepio perante o aspecto daquela casa desolada. Apeou-se do fiacre e, com os joelhos pouco firmes, aproximou-se da porta fechada e tocou.
Só ao terceiro toque de campainha, cujo som lúgubre parecia participar da tristeza geral, apareceu um porteiro que entreabriu a porta apenas o indispensável para deixar passar as suas palavras.
Viu uma mulher, uma mulher da alta, uma mulher elegantemente vestida, e no entanto a porta continuou a permanecer quase fechada.
- Abra! - ordenou a baronesa.
- Antes de mais nada, quem é a senhora? - perguntou o porteiro.
- Quem sou?... Mas você conhece-me muito bem?
- Já não conhecemos ninguém, minha senhora.
- Mas você enlouqueceu, meu amigo! - exclamou a baronesa.
- Da parte de quem vem?
- Oh, isto é de mais!
- Minha senhora, são ordens, desculpe. O seu nome?
- Sr.ª Baronesa Danglars. Você já me viu mais de vinte vezes.
- É possível, minha senhora. Agora, que deseja?