— Que infame embusteiro! — clamou o fidalgo. — Chama-me um lacaio, que lhe vou mandar cortar as carnes com um tagante! Merecia-o! Mas quem deu cá o lacaio?
Assim dialogando, entraram à sala em que D. Teodora estava ainda muitíssimo entalada de soluços.
— Então que é isto, Teodora?! — perguntou brandamente Calisto, pondo-lhe as pontas dos dedos na face. Ergueu-se ela arrebatada, e pendurou-se-lhe ao pescoço exclamando:
— Meu Calisto, meu Calisto, cuidei que te não tornava a enxergar!
— És tola, prima! — disse ele, assaz incomodado com o apertão do braço. — Pois eu não havia de tornar?! Quem te meteu essa na cabeça?
Teodora entrou a encarar no homem muito de fito, rompeu num choro desfeito.
— Que tens tu? — perguntou ele.
— Como tu estás mudado! Não me pareces o meu homem!… Corta essas barbas; por alma de tua mãe, corta-me essas barbas, que pareces o diabo, Deus me perdoe!…
Calisto sorriu-se, com um profundo tédio de sua mulher. Naquele instante alanceou-o mortalmente a saudade de Ifigénia. Aquela casa de Caçarelhos e a mulher pareceram-lhe um retalho do inferno, daquele inferno alagado e frio de que fala o padre António Vieira.
Começou a passear na sala, e a despedir baforadas de ansiada respiração do peito. A mulher não lhe despregava os olhos das barbas, e de vez em quando arrancava um ai das entranhas.
— A falar verdade — observou Lopo de Gamboa — estás um homem completamente diferente! E o caso é que pareces mais novo! Já nem andas corcovado, nem tens aquela proeminência da barriga. Olha os ares de Lisboa o que fazem, primo Barbuda!