No dia da partida, a despedaçada senhora experimentou um ataque de eloquência. Entrou com o almoço no gabinete do marido, e bradou:
— Então que é isto? Entendamo-nos.
— Isto quê?
— Sempre vais para a vida perdida?
— Vou hoje para Lisboa — respondeu serenamente Calisto Elói, dobrando em maços os títulos de sua casa.
— E então da tua mulher não queres saber mais nada?
— Minha mulher fica em sua casa, e eu vou cumprir os meus deveres como deputado.
— Mas eu não quero saber disso.
— Então que queres tu saber, prima Teodora?
— Quero saber a lei em que hei-de viver.
— Vive na Lei de Deus.
— E tu na do diabo, ein?
— Berra pouco.
— Hei-de berrar o que eu quiser.
— Pois berra, que eu não te hei-de ouvir muito tempo.
— Se isto é assim, quero separar-me.
— Separa-te.
— Vou para o morgadio de Travanca.
— Pois vai.
— Cada qual fique com o que é seu.
— Pois sim. Leva daqui o que for teu.
A desesperação de Teodora aumentava à medida que a fleuma do marido lhe cravava o dardo do desengano no coração ainda fiel. Começou a pobre mulher a saltar no pavimento, sem proferir sons articulados. Expedia uns grunhidos roucos, que fizeram pavor a Calisto. Este feíssimo trejeitar desfechou num insulto nervoso, com sintomas epilépticos.
A comiseração feriu as estragadas entranhas do morgado. Foi apanhar a mulher do chão, reteve-lhe os braços que escabujavam, e levou-a dali para um leito, onde a deixou entregue às criadas e ao primo Lopo de Gamboa, que vinha entrando.