A Queda de um Anjo - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 64 / 207

Ouvido isto, o desembargador comoveu-se até às lágrimas, e disse com mui entranhado afecto:

— Quem me dera assim um marido para a minha Adelaide, que nesta casa reinaria o sossego da virtude! Agora vejo que lá nos esconderijos dos matos das províncias se refugiaram as relíquias da honra portuguesa! Ditosa senhora a que avassalou tão honesta alma! Daí a pouco, o morgado da Agra, buscando azo de estar apartado com Catarina a um canto da sala, e praticando sobre livros perigosos, rompeu nesta pergunta:

— A Sra. D. Catarina já leu Homero?

— É romance? — disse ela.

— Romance ou fabulário de alta moral lhe havemos de chamar; já não romances de uns que, de oitava o sei, por aí empestam a sociedade. Na Ilíada de Homero achei dois pares de casados: um é Páris, que se matrimoniou com Helena; o outro é Ulisses, que se casou com Penélope. Os primeiros, cobiçosos e voluptuários, cobriram a Grécia de calamidades; os segundos, prudentes e discretos, foram o modelo do tálamo ditoso. Fez Calisto uma longa pausa, e prosseguiu, interpolando os dizeres com algumas pitadas, que solenizavam a gravidade das falas.

— Ninguém devera casar sem muito ler e sem aplaudir aqueles preceitos do casamento escritos pelo eminentíssimo Plutarco.

— Não conheço — disse a dama…

Li Le mariage, de Balzac.

— Não sei quem é; deve ser francês.

— Pois não leu?

— Eu não leio francês. Não me chega o meu tempo para tirar águas sujas de poços infectos. Plutarco é oráculo nesta matéria. Um pensamento lhe li que me chegou à medula, e que ainda agora em Lisboa me saiu explicado.





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