Depois de me fitar com doce especulação, acusou-me de ter estado a chorar. Quanto a mim, estava convencida de que havia eliminado todos os sinais de lágrimas e de dor, mas, para meu grande espanto, acabei por sentir-me satisfeita por isso não ser verdade, já que a sua ternura me trouxe um pouco de conforto. Fitar as profundezas azuis dos olhos daquela criança e considerar o seu encanto sinal de uma qualquer perversão prematura seria reconhecer-me possuidora de um cinismo tal, que de imediato preferi negar todos os esses juízos e a minha agitação. Claro que este acto de negação estava longe de ser uma questão de vontade, mas, tal como repeti vezes sem conta a Mrs. Grose, com as vozes dos nossos amigos elevando-se nos ares, a forma como nos tocavam 0 coração, as suas faces perfumadas encostadas ao nosso rosto, tudo caía por terra, excepto a sua inocência e beleza. Pena era que, para que o assunto ficasse resolvido de uma vez por todas, me visse forçada a enumerar de novo aqueles sinais deveras subtis que, nessa mesma tarde, junto ao lago, haviam operado um milagre assaz inesperado: o de me haverem forçado a permanecer calma e a não me descontrolar de uma vez por todas. Pena era ser obrigada a passar em revista tudo o que acontecera naquele momento e a forma como me apercebera que aquela espécie de comunhão inconcebível resultava, em ambas as partes, de uma questão de hábito. Pena era ver-me forçada a relembrar os motivos que me haviam levado a aceitar sem a menor sombra de dúvida que a garota vira aquela figura com a mesma nitidez com que eu via Mrs. Grose, e que ela queria levar-me a crer que nada presenciara, ao mesmo tempo que, aparentando uma enorme indiferença, tentava descobrir se eu também vira aquela mulher! Pena era ser obrigada a recapitular todas as manobras inteligentes com que tentava desviar a minha atenção: um perceptível aumento de movimento, uma maior intensidade no acto de brincar, as canções, os disparates por ela preferidos, e, por fim, o convite para que me juntasse a ela.