A chicotada nos dedos foi para Corentin, a dor à parte, o tiro de -canhão que rompe a carapaça da parte dessa sublime e nobre rapariga, aquele gesto, cheio de náusea, humilhou-o, não só aos olhos daquela gentinha, mas aos seus próprios olhos. Peyrade, o provençal, precipitou-se para o fogão, mas Laurence recebeu-o com um pontapé; ele, porém, agarrou-lhe O pé, soergueu-lho e obrigou-a, por pudor, a deixar-se cair sobre a poltrona onde estivera a dormir havia pouco.
O burlesco no meio do terror, contraste frequente nas coisas humanas. Peyrade chamuscou a -mão para se apoderar do cofre já em chamas; mas conseguiu-o, poisando-o no chão e sentando-se-lhe em cima.
Estes pequenos acontecimentos ocorreram rápidos, sem uma palavra. Corentin, refeito da dor que lhe provocara. a chicotada, susteve a Menina de Cinq-Cygne, pegando-lhe nas mãos.
- Não me obrigue, bela cidadã, a ter de usar da força - disse ele, com a sua afrontosa cortesia,
A intervenção de Peyrade teve como resultado apagar o fogo pela compressão que suprimiu o ar.
- Gendarmes! - gritou ele, mantendo-se naquela posição estranha.
- Promete ter juízo? - disse, insolentemente, Corentin a Laurence, apanhando o punhal e sem cometer o erro de a ameaçar com ele.
- Os segredos desse cofre não têm nada que ver com o governo - respondeu-lhe ela com um misto de melancolia na atitude e no tom da voz. Quando ler as cartas que aí estão dentro, apesar da infâmia que o caracteriza, sentirá vergonha de o ter feito... Mas terá ainda, porventura, vergonha de alguma coisa? - acrescentou ela, depois de uma pausa.
O cura relanceou a Laurence um olhar como a dizer-lhe: «Por amor de Deus, serene.
Peyrade levantou-se. O fundo do cofre, em contacto com as brasas do fogão, e quase inteiramente queimado, deixara o tapete chamuscado.