Reconheceu nele o desejo de bem servir, a inteligência e o desprendimento de qualquer cálculo; experimentou-lhe a dedicação, e verificou que havia nele não só inteligência, mas nobreza também: nunca pensava em recompensas; e deu-se a cultivar aquela alma ainda jovem. Foi boa para ele, boa com grandeza, dedicou-o a si, dedicando-se a ele, polindo ela própria o seu carácter meio selvagem, sem contudo lhe fazer perder nem a frescura nem a simplicidade. E quando entendeu estar suficientemente experimentada a fidelidade quase canina que alimentara, Gothard tornou-se o seu engenhoso e ingénuo cúmplice.
O pequeno camponês, de quem ninguém desconfiaria, ia de Cinq-Cygne a Nancy, e voltava, sem que dessem conta de que ele saía da terra. Todas as manhas usadas pelos espiões ele as usava. A excessiva desconfiança que a sua ama lhe incutira em nada alterava o seu natural. Gothard, que possuía ao mesmo tempo a manha das mulheres, a candura da criança e a permanente atenção do conspirador, escondia as suas admiráveis qualidades sob a profunda ignorância e o torpor próprio dos aldeãos. Aquele homenzinho dava ares de estúpido, de fraco, de inábil; mas, uma vez em acção, era ágil como um peixe, escapava-se como uma enguia; bastava um olhar, como acontece com os cães, para ele compreender tudo; dir-se-ia que farejava os pensamentos. O seu tipo canhestro, redondo e vermelhusco, os olhos castanhos, como que dormentes, o cabelo aparado à camponesa, as suas roupas, o tardio crescimento, davam-lhe o aspecto de uma criança de dez anos.
Sob a protecção da prima, que de Estrasburgo a Bar-sur-Aube, velava por eles, os Senhores de Hauteserre e de Simeuse, na companhia de muitos outros emigrados, entraram pela Alsácia, pela Lorena e pela Champagne, enquanto que outros conspiradores, não menos corajosos, abordavam a França pelas falésias da Normandia.