O Conde de Monte Cristo - Cap. 17: A cela do abade Pág. 139 / 1080

Dedicaram mais de um ano a este trabalho executado com um escopro, uma faca e uma alavanca de madeira como únicos instrumentos. Durante esse ano, e sem deixarem de trabalhar, Faria continuou a instruir Dantès, falando-lhe ora numa língua ora noutra, ensinando-lhe a história das nações e dos grandes homens que deixavam de vez em quando atrás de si um desses rastos luminosos chamados glória. O abade, homem do mundo e da alta sociedade, tinha além disso, nas suas maneiras, uma espécie de majestade melancólica de que Dantès, graças ao espírito de assimilação de que a natureza o dotara, soube extrair a polidez elegante que lhe faltava e os modos aristocráticos que habitualmente só se adquirem no convívio com as classes elevadas ou no contacto com homens superiores.

Ao cabo de quinze meses o buraco estava aberto. A escavação era feita por baixo da galeria. Ouvia-se passar e repassar a sentinela, e os dois trabalhadores, forçados a esperar uma noite escura e sem luar para tornar a evasão ainda mais segura, só tinham um receio: que o chão, demasiado delgado, abatesse por si mesmo debaixo dos pés do soldado. Obviou-se a esse inconveniente colocando como suporte uma espécie de vipazinha encontrada nos alicerces. Dantès estava ocupado a colocá-la quando ouviu de súbito o abade Faria, que ficara na cela do rapaz, onde se ocupava por seu turno a aguçar uma cavilha destinada a segurara escada de corda, chamá-lo em tom angustiado. Dantès regressou rapidamente e deu com o abade de pé no meio da cela, pálido, com a testa coberta de suor e as mãos crispadas.

- Oh, meu Deus! - gritou Dantès. - Que aconteceu, que tem o senhor?

- Depressa, depressa! - atalhou o abade. - Escute.

Dantès olhou o rosto lívido de Faria, os seus olhos rodeados por um círculo azulado, os seus lábios brancos e os seus cabelos eriçados, e ficou tão impressionado que deixou cair no chão o escopro que tinha na mão.

- Mas que se passa? - gritou Edmond.

- Estou perdido! - respondeu o abade. - Ouça-me. Vou ser atacado por um mal terrível, talvez mortal. O acesso aproxima-se, sinto-o. Já uma vez me atacou no ano anterior à minha prisão. Para este mal só há um remédio, o que lhe vou dizer. Corra depressa à minha cela e retire o pé da cama. O pé é oco e encontrará dentro dele um frasquinho de cristal meio cheio de um licor vermelho. Traga-o. Ou antes, não, não poderia ser surpreendido aqui. Ajude-me a regressar à minha cela enquanto disponho ainda de algumas forças. Quem sabe o que acontecerá durante o tempo que durar o acesso?





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069