Um estremecimento violento interrompeu o velho. Dantès levantou a cabeça e viu que os olhos do abade se injectavam de vermelho; dir-se-ia que uma onda de sangue acabava de lhe subir do peito à cabeça.
- Adeus! Adeus! - murmurou o velho, apertando convulsivamente a mão do rapaz. - Adeus!
- Oh, ainda não, ainda não! - gritou Dantès. - Não nos abandoneis, meu Deus, socorrei-o... ajudai-o... eu...
- Silêncio! Silêncio! - murmurou o moribundo. - Que nos não separem se você me conseguir salvar!
- Tem razão. Oh, sim, sim, esteja tranquilo que o salvarei! De resto, embora sofra muito, parece sofrer menos do que da primeira vez.
- Desengane-se! Sofro menos porque há em mim menos força para sofrer. Na sua idade tem-se fé na vida, é privilégio da juventude crer e esperar. Mas os velhos vêem mais claramente a morte. Ei-la... vem aí... acabou-se... a vista foge... a razão abandona-me... A sua mão, Dantès!... Adeus!... Adeus!
Erguendo-se num derradeiro esforço em que reuniu todas as suas faculdades:
- Monte-Cristo! Não se esqueça de Monte-Cristo! E voltou a cair na cama.
A crise foi terrível: membros contorcidos, pálpebras inchadas, uma espuma ensanguentada, um corpo sem movimentos, foi tudo o que restou naquele leito de dor em vez do ser inteligente que nele se deitara pouco antes.
Dantès pegou na candeia e colocou-a à cabeceira da cama, numa pedra saliente e donde a sua luz trémula iluminava com um reflexo estranho e fantástico aquele rosto descomposto e aquele corpo inerte e rígido.
Com os olhos fixos, esperou intrepidamente o momento de administrar o remédio salvador.
Quando julgou chegado esse momento, pegou na faca, descerrou os dentes do abade, que ofereceram menos resistência do que da primeira vez, contou uma após outra dez gotas e esperou. O frasco continha ainda pouco mais ou menos o dobro do que deitara.
Esperou dez minutos, um quarto de hora, meia hora e nada mexeu. Trémulo, com os cabelos eriçados e a testa gelada de suor, contava os segundos pelas pulsações do seu coração.
Pensou então que era tempo de tentar a última experiência. Aproximou o frasco dos lábios roxos de Faria e, sem necessitar de lhe descerrar os maxilares, que tinham ficado abertos, despejou lodo o licor que ele continha.