Franz ficou um momento mudo e pensativo, sem saber que pensar da bonomia cruel com que o anfitrião acabava de lhe contar o caso.
- E como o respeitável marinheiro cujo nome adoptou passa a vida a viajar? - perguntou para mudar de assunto.
- Passo. Foi um juramento que fiz num tempo em que não pensava muito poder cumpri-lo - respondeu o desconhecido, sorrindo. - Fiz outros como este e espero que se cumpram todos a seu tempo.
Embora Simbad tivesse pronunciado estas palavras com o maior sangue-frio, os seus olhos adquiriram uma expressão de ferocidade estranha.
- Creio que sofreu muito, senhor - disse-lhe Franz.
Simbad estremeceu e olhou-o fixamente.
- Porque diz isso? - perguntou.
- Por tudo - respondeu Franz. - Pela sua voz, pelo seu olhar, pela sua palidez, e até pela vida que leva.
- Eu?! Levo a vida mais feliz que conheço, uma autêntica vida de paxá. Sou o rei da criação: se me sinto bem num sítio, fico; se me aborreço parto. Sou livre como os passarinhos, tenho asas como eles, e as pessoas que me rodeiam obedecem-me cegamente. De vez em quando divirto-me a escarnecer a justiça humana roubando-lhe um bandido que procura, um criminoso que persegue. Depois, tenho a minha própria justiça, baixa e alta, sem delongas e sem apelo, que condena ou absolve e com a qual ninguém tem nada a ver! Oh, se tivesse saboreado a minha vida não quereria outra e nunca mais regressaria ao mundo, a menos que tivesse algum grande projecto a cumprir!
- Uma vingança, por exemplo... - insinuou Franz.
O desconhecido pousou no jovem um desses olhares que mergulham profundamente no coração e no cérebro.
- E porquê uma vingança? - perguntou.