- Porque - respondeu Franz - o senhor tem todo o ar de um homem que, perseguido pela sociedade, tem uma conta terrível a ajustar com ela.
- Pois engana-se! - volveu-lhe Simbad, rindo com o seu riso estranho, que lhe descobria os dentes brancos e agudos. – Aqui onde me vê sou uma espécie de filantropo e talvez um dia vá a Paris fazer concorrência ao Sr. Appert e ao homem da capa azul.
- E será a primeira vez que fará essa viagem?
- Oh, meu Deus, claro que sim! Tenho o ar de ser muito pouco curioso, não tenho? Pois garanto-lhe não ser responsável por tão grande demora. Mas irei lá, mais dia menos dia!
- Peço-lhe que seja mais preciso, conta fazer brevemente essa viagem?
- Ainda não sei. Depende de circunstâncias submetidas a combinações incertas.
- Gostaria de lá estar nessa altura para procurar retribuir-lhe, na medida das minhas possibilidades, a hospitalidade que me dispensou tão generosamente em Monte-Cristo.
- Aceitaria a sua oferta com muito prazer, mas infelizmente, se lá for, será talvez incógnito.
Entretanto, a ceia continuava e parecia ter sido servida exclusivamente em intenção de Franz, pois o desconhecido mal tocara num ou dois pratos de esplêndido festim que lhe oferecera e ao qual o seu conviva inesperado fazia as mais amplas honras.
Por fim, Ali trouxe a sobremesa, ou antes, tirou os cestos das mãos das estátuas e pô-las em cima da mesa. Entre os dois cestos colocou uma tacinha de prata dourada, com tampa do mesmo metal.
O respeito com que Ali trouxe a taça despertou a curiosidade de Franz. Levantou a tampa e viu uma espécie de pasta esverdeava que lembrava compota de angélica, mas que lhe era completamente desconhecida. Recolocou a tampa, tão ignorante do que a taça continha depois de a tapar como antes de a destapar, e olhou para o seu anfitrião, que sorria da sua decepção.
- Não consegue adivinhar - disse-lhe ele - que espécie de comestível contém essa tacinha e isso intriga-o, não é verdade?
- Confesso que sim.
- Pois bem, essa espécie de compota verde é, nem mais nem menos, a ambrósia que Hebe servia à mesa de Júpiter.
- Mas essa ambrósia - observou Franz - perdeu sem dúvida, ao passar para a mão dos homens, o seu nome celeste para tomar um nome humano. Em linguagem vulgar, como se chama este ingrediente, pelo qual, aliás, não sinto grande simpatia?
- Ora aí está justamente uma coisa que revela a nossa origem material! - exclamou Simbad. - Muitas vezes passamos assim ao lado da felicidade sem a ver, sem a olhar, ou, se a vemos e olhamos, sem a reconhecer. Se é um homem positivo e o ouro é o seu deus, saboreie isto e abrir-se-lhe-ão as minas do Peru, de Guzarate e de Golconda.