O Conde de Monte Cristo - Cap. 44: A vendetta Pág. 432 / 1080

- O que foi feito desse rapazinho... Não me disse que era um rapazinho, Sr. Bertuccio?

- Não, Excelência. Não me lembro de dizer tal coisa.

- Ah! Julgava ter ouvido, mas decerto enganei-me.

- Não, não se enganou, porque era efectivamente um rapazinho. Mas V. Ex.a desejava, dizia, saber dois pormenores. Qual é o segundo?

- O segundo é o crime de que o acusavam quando pediu um confessor e o abade Busoni o foi encontrar na prisão de Nímes.

- Essa história talvez seja demasiado longa, Excelência.

- Que importa? São apenas dez horas, sabe que não durmo e suponho que da sua parte também não tenha grande vontade de dormir.

Bertuccio inclinou-se e retomou a sua narrativa.

- Em parte para expulsar as recordações que me assediavam e em parte para prover as necessidades da pobre viúva, entreguei-me com ardor à profissão de contrabandista, tornada mais fácil devido ao afrouxamento do cumprimento das leis que se segue sempre às revoluções. As costas do Meio-Dia, sobretudo, estavam mal guardadas devido aos eternos motins que se verificavam ora em Avinhão, ora em Nímes, ora em Uzès. Aproveitámos aquela espécie de trégua que nos era concedida pelo Governo para estabelecer relações com todo o litoral. Desde o assassínio do meu irmão nas ruas de Nímes nunca mais quisera entrar na cidade. Daí resultou que o estalajadeiro com que tínhamos negócios, vendo que já o não procurávamos, viera ter connosco e fundara uma sucursal da estalagem na estrada de Bellegarde a Beaucaire, a que dera o nome de Pont du gard. Tínhamos assim, quer do lado de Aigues- Mortes, quer de Martigues, quer de Bouc, uma dúzia de entrepostos onde depositávamos as mercadorias e, se necessário, encontrávamos refúgio contra os guardas-fiscais e os gendarmes. A profissão de contrabandista é muito rendosa quando se pratica com alguma inteligência, secundada por certa actividade. Quanto a mim, vivia nas montanhas, pois tinha dobradas razões para temer gendarmes e guardas-fiscais, atendendo a que qualquer comparência perante os juízes podia originar uma investigação, a que essa investigação é sempre uma excursão pelo passado e a que no meu passado se podia encontrar então algo mais grave do que charutos entrados de contrabando ou barris de aguardente circulando sem guias de trânsito. Por isso, preferindo mil vezes a morte à prisão, fazia coisas espantosas e que por mais de uma vez me demonstraram que o excessivo cuidado que tomamos com a pele é quase o único obstáculo ao êxito dos nossos projectos, que exigem decisão rápida e execução enérgica determinada.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069