O Conde de Monte Cristo - Cap. 108: O juiz Pág. 1005 / 1080

Villefort ficou um instante calado, cravava as unhas na cara, em que sobressaía a barba, de um negro de ébano.

- Diga à senhora - respondeu por fim - que desejo falar-lhe e que lhe peço que me espere nos seus aposentos.

- Sim, senhor.

- Depois volte para me barbear e vestir.

- Imediatamente.

O criado de quarto saiu e, de facto, voltou pouco depois para barbear Villefort e vesti-lo solenemente de preto.

Quando terminou informou:

- A senhora disse que esperaria o senhor assim que o senhor acabasse de se vestir.

- Vou já.

E Villefort, com os processos debaixo do braço e o chapéu na mão, dirigiu-se para os aposentos da mulher.

A porta parou um instante e enxugou com o lenço o suor que lhe brotava da fronte lívida.

Depois empurrou a porta.

A Sr.ª de Villefort estava sentada numa otomana a folhear com impaciência jornais e brochuras que o jovem Édouard se entretinha a rasgar ainda antes de a mãe ter tempo de acabar de os ler. Encontrava-se completamente vestida para sair. O chapéu esperava-a pousado numa poltrona. Já calçara as luvas.

- Até que enfim, senhor! - exclamou, na sua voz natural e calma. - Meu Deus, como está pálido, senhor! Trabalhou toda a noite? Porque não foi tomar o pequeno-almoço connosco? Então, leva-me consigo ou vou sozinha com Édouard?

A Sr.ª de Villefort multiplicou, como se vê, as perguntas para obter uma resposta; mas a todas as suas perguntas o Sr. de Villefort ficou frio e mudo como uma estátua.

-Édouard - disse Villefort, cravando no garoto um olhar imperioso -, vá brincar para a sala, meu amigo, pois preciso de falar com a sua mãe.

Ao ver esta atitude fria, este tom resoluto, estes preparativos preliminares estranhos, a Sr.ª de Villefort estremeceu.

Édouard levantara a cabeça e olhara para a mãe. Depois, vendo que ela não confirmava a ordem do Sr. de Villefort, dedicara-se a cortar a cabeça aos seus soldados de chumbo.

-Édouard! - gritou o Sr. de Villefort tão asperamente que o garoto deu um salto no tapete. - Não me ouviu? Saia!

O pequeno, muito pouco habituado a ser tratado assim, levantou-se e empalideceu. Seria no entanto difícil de dizer se de cólera ou de medo.

O pai foi ao seu encontro, agarrou-o por um braço e beijou-o na testa.

- Vá, meu filho, vá!...

Édouard saiu.

O Sr. de Villefort, dirigiu-se para a porta e fechou-a atrás do filho. Em seguida correu o fecho.

- Meu Deus! - exclamou a jovem senhora, olhando o marido até ao fundo da alma e esboçando um sorriso que a impassibilidade de Villefort lhe gelou nos lábios. - Que se passa?

- Minha senhora, onde guarda o veneno de que se serve habitualmente? - perguntou sem rodeios o magistrado, colocado entre a mulher e a porta.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069