O Conde de Monte Cristo - Cap. 113: O passado Pág. 1039 / 1080

Capítulo CXIII - O passado

O conde saiu com a alma magoada daquela casa onde deixava Mercédès para nunca mais a ver, segundo todas as probabilidades.

Desde a morte do pequeno Édouard operara-se em Monte-Cristo uma grande transformação. Chegado ao cimo da sua vingança pela encosta lenta e tortuosa que seguira, vira do outro lado da montanha o abismo da dúvida.

Mas havia mais: a conversa que acabava de ter com Mercédès despertara tantas recordações no seu coração que elas próprias precisavam de ser com batidas.

Um homem da têmpera do conde não podia entregar-se durante muito tempo a uma melancolia capaz de alimentar os espíritos vulgares dando-lhes uma originalidade aparente, mas que mata as almas superiores. O conde disse para consigo que para quase ter chegado a censurar-se a si mesmo era porque algum erro se insinuara nos seus cálculos.

- Analiso mal o passado - disse. - Não posso ter-me enganado assim... Seria possível que me propusesse atingir um objectivo insensato? Terei seguido caminho errado durante dez anos? Não bastaria uma hora para provar ao arquitecto que a obra em que depositara todas as suas esperanças era uma obra impossível ou pelo menos sacrílega?

»Não me posso habituar a semelhante ideia; enlouqueceria. O que falta aos meus raciocínios actuais é a apreciação exacta do passado, porque revejo o passado da outra extremidade do horizonte. Com efeito, à medida que avançamos o passado esbate-se, tal como a paisagem que atravessamos se esfuma à medida que nos afastamos. Acontece-me o que acontece às pessoas que se ferem em sonhos: vêem e sentem o ferimento, mas não se lembram de o ter recebido...

»Vamos, homem renovado; vamos, rico extravagante; vamos, dorminhoco acordado; vamos, visionário todo-poderoso, vamos, milionário invencível: retoma por instantes a perspectiva funesta da vida miserável e faminta; volta a passar pelos caminhos para onde a fatalidade te empurrou ou a desventura te conduziu e o desespero te recebeu. Demasiados diamantes, ouro e sorte brilham hoje no espelho em que Monte-Cristo vê Dantès. Esconde esses diamantes, cobre de lama esse ouro, apaga esse brilho; rico, volta a ser pobre; livre, volta a ser prisioneiro; ressuscitado, volta a ser cadáver.

Enquanto dizia isto a si mesmo, Monte-Cristo seguia pela Rua da Caisserie, a mesma pela qual vinte e quatro anos antes fora conduzido por uma guarda silenciosa e nocturna. Aquelas casas, de aspecto risonho e animado, estavam naquela noite sombrias, mudas e fechadas.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069