O Conde de Monte Cristo - Cap. 116: O Perdão Pág. 1066 / 1080

Danglars assemelhava-se àquelas feras que a caça anima, que depois desespera, e que, à força de desespero, conseguem por vezes salvar-se.

Danglars pensou numa evasão.

Mas as paredes eram a própria rocha; mas na única saída fora da cela um homem lia, e atrás desse homem viam-se passar e repassar sombras armadas de espingarda.

A sua resolução de não voltar a assinar durou dois dias, passados os quais pediu alimentos e ofereceu um milhão.

Serviram-lhe um jantar magnífico e levaram-lhe o milhão.

Desde então, a vida do pobre prisioneiro foi uma divagação perpétua. Sofrera tanto que já não queria expor-se a sofrer e suportava todas as exigências. Passados doze dias, numa tarde em que almoçara como nos seus belos dias de fortuna, fez as suas contas e verificou que passara tantas ordens de pagamento ao portador que já só lhe restavam cinquenta mil francos.

Então, operou-se nele uma reacção estranha: o homem que abrira mão de cinco milhões tentou salvar os cinquenta mil francos que lhe restavam. Em vez de dar esses cinquenta mil francos, resolveu voltar a uma vida de privações e teve momentos de esperança que raiavam a loucura. Ele, que havia tanto tempo esquecera Deus recordou-o para dizer para consigo que às vezes Deus fazia milagres: que a caverna podia esmoronar-se; que os carabineiros pontifícios podiam descobrir aquele esconderijo maldito e vir em seu socorro; que então ainda lhe restariam cinquenta mil francos para impedir um homem de morrer de fome.

E pediu a Deus que lhe conservasse os cinquenta mil francos, e enquanto suplicava chorou.

Passaram-se assim três dias, durante os quais o nome de Deus esteve constantemente, senão no seu coração, pelo menos nos seus lábios. De vez em quando tinha momentos de delírio em que julgava ver, através das janelas, num pobre quarto, um velho agonizar num catre.

Esse velho também morria de fome.

Ao quarto dia já não era um homem, era um cadáver vivo.

Apanhara do chão as últimas migalhas das suas antigas refeições e começara a devorar a esteira que cobria o chão.

Então suplicou a Peppino, como se suplica ao anjo-da-guarda, que lhe desse qualquer coisa de comer, e ofereceu-lhe mil francos por um naco de pão.

Peppino não respondeu.

Ao quinto dia arrastou-se até à entrada da cela.

- Mas você não é um cristão? - perguntou, erguendo-se nos joelhos. - Quer assassinar um homem que é um irmão perante Deus? Oh, os meus amigos doutros tempos, os meus amigos doutros tempos!... - murmurou.

E caiu de bruços no chão.

Depois levantou-se com uma espécie de desespero e gritou:

- O chefe! O chefe!

- Aqui estou - disse Vampa, aparecendo de repente. - Que mais deseja?





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069