O Conde de Monte Cristo - Cap. 15: O número 34 e o número 27 Pág. 108 / 1080

A raiva sucedeu ao ascetismo. Edmond proferia blasfémias que faziam recuar de horror o carcereiro. Quebrava o corpo contra as paredes da sua prisão. Atribuía com furor as culpas a tudo o que o rodeava, e sobretudo a si mesmo, à menor contrariedade que lhe fizesse experimentar um grão de areia uma palhinha ou um sopro de ar. Então, a carta denunciadora que vira, que lhe mostrara Villefort, em que tocara, acudia-lhe de novo ao espírito e cada linha chamejava sobre a muralha como o «Mane, Thecel, Phares» de Baltasar. Dizia para consigo que fora o ódio dos homens e não a vingança de Deus que o mergulhara no abismo onde se encontrava.

Votava esses homens desconhecidos a todos os suplícios forjados pela sua ardente imaginação e ainda lhe parecia que os mais terríveis eram excessivamente suaves e sobretudo demasiado curtos para eles. Porque depois do suplício vinha a morte, e a morte era, senão o repouso, pelo menos a insensibilidade, segundo lhe parecia.

A calma era a morte e que quem quer punir cruelmente deve recorrer a outros meios diferentes da morte, caiu na imobilidade sombria das ideias de suicídio. Ai daquele que na vertente da desgraça se detém em tão sombrias ideias! E como um desses mares mortos que se estendem como o azul das torrentes puras, mas nos quais o nadador sente os pés se enterrarem cada vez mais numa vasa betuminosa que o puxa para si, o aspira e engole. Uma vez assim apanhado, se o socorro divino não vem em seu auxílio está tudo acabado, e cada esforço que tenta o mergulha mais profundamente na morte.

Todavia, esse estado de agonia moral é menos terrível do que o sofrimento que o precede e talvez do que o castigo que se lhe seguirá. É uma espécie de consolação vertiginosa que nos mostra o abismo escancarado e no fundo do abismo o nada. Chegado ai, Edmond encontrou certa consolação nessa ideia. Todos os seus sofrimentos, bem como o cortejo de espectros que arrastavam atrás de si, pareceram sumir-se do canto da sua prisão onde o anjo da morte podia pousar o pé silencioso. Dantès observou com calma a sua vida passada, com terror a sua vida futura, e escolheu o ponto intermédio que parecia ser um lugar de asilo.

- Às vezes - dizia então para consigo -, nas minhas viagens longínquas, quando era ainda um homem e esse homem, livre e forte, gritava a outros homens ordens que eram cumpridas, vi o céu cobrir-se, o mar estremecer e bramir, a tempestade formar-se num canto do céu e, como uma águia gigantesca, bater os dois horizontes com as suas duas asas. Então sentia que o meu navio não passava de um refúgio impotente, pois o meu navio, leve como uma pena na mão de um gigante, também tremia e estremecia.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069