Em três dias conseguiu, com inauditas precauções, retirar toda a argamassa e pôr a pedra a nu. A muralha era feita de pequenas pedras de construção, no meio das quais, para aumentar a solidez, tinham colocado, a intervalos, grandes blocos de pedra aparelhados. Era uma dessas pedras que quase descarnara e que se tratava agora de fazer sair do seu alvéolo.
Dantès experimentou com as unhas, mas as unhas eram insuficientes para isso.
Os cacos da bilha, introduzidos nos intervalos, quebravam-se quando Dantès pretendia utilizá-los como alavanca.
Passado uma hora de tentativas inúteis, Dantès levantou-se, com o suor da angústia na testa.
Iria ser detido assim logo ao princípio e teria de esperar, inerte e inútil, que o vizinho, que se esfalfava do seu lado, talvez, fizesse tudo?
Passou-lhe então uma ideia pelo espírito. Ficou de pé a sorrir. A sua testa húmida de suor secou por si mesma.
O carcereiro trazia todos os dias a sopa de Dantès numa caçarola de folha-de-flandres. Essa caçarola continha a sua sopa e a doutro prisioneiro, pois Dantès notara que ou estava completamente cheia ou meio vazia, conforme o carcereiro começava a distribuição da comida por ele ou pelo seu companheiro.
A caçarola tinha um cabo de ferro. Era esse cabo de ferro que Dantès ambicionava e que pagaria, se lhos exigissem em troca, com dez anos de vida.
O carcereiro deitou o conteúdo da caçarola no prato de Dantès. Depois de comer a sopa com uma colher de pau, Dantès lavava o prato, que servia assim todos os dias.
À noite, Dantès pôs o prato no chão, a meio caminho entre a porta e a mesa. Ao entrar, o carcereiro pôs o pé em cima do prato e partiu-se em mil bocados.
Desta vez não havia nada a dizer contra Dantès: fizera mal em deixar o prato no chão, é verdade, mas o carcereiro também não vira onde punha os pés. O carcereiro limitou-se portanto a resmungar.
Em seguida olhou à sua volta para ver onde poderia deitar a sopa; mas a baixela de Dantès limitava-se àquele único prato e não havia por onde escolher.
- Deixe a caçarola - sugeriu Dantès. - Levá-la-á quando me trouxer amanhã o pequeno-almoço.
O conselho ia ao encontro da preguiça do carcereiro, que assim não tinha necessidade de subir, descer e tornar a subir.
Deixou a caçarola. Dantès estremeceu de alegria.
Desta vez comeu rapidamente a sopa e a carne que, segundo o hábito das prisões, deitavam na sopa. Em seguida, depois de esperar uma hora para ter a certeza de que o carcereiro não mudava de ideias, afastou a cama, pegou na caçarola, introduziu a ponta do cabo entre a pedra aparelhada liberta de argamassa e as pedras de construção vizinhas e começou a utilizá-la como alavanca.