A cama tinha respigas de ferro, mas essas respigas encontravam-se presas à madeira por parafusos. Seria necessária uma chave de fenda para tirar os parafusos e arrancar as respigas. Na mesa e na cadeira, nada; o balde tivera noutros tempos uma asa, mas essa asa desaparecera. Só havia um recurso para Dantès: quebrar a bilha e com um dos bocados de barro talhado em ângulo meter mãos à obra.
Deixou cair a bilha no chão e a bilha voou em pedaços.
Dantès escolheu dois ou três cacos aguçados, escondeu-os na enxerga e deixou os outros espalhados pelo chão. A quebra da bilha era um acidente tão natural que ninguém se preocuparia com ele.
Edmond tinha toda a noite para trabalhar; mas na escuridão a tarefa corria mal, pois tinha de trabalhar às apalpadelas e não tardou a sentir que embotava o instrumento informe numa argamassa mais dura. Recolocou, pois, a cama no seu lugar e esperou que amanhecesse. Com a esperança, voltara-lhe também a paciência.
Durante toda a noite escutou e ouviu o mineiro desconhecido que continuava a sua obra subterrânea.
Amanheceu e o carcereiro entrou. Dantès disse-lhe que ao beber na véspera pela própria bilha esta lhe escapara das mãos, caíra e partira-se. O carcereiro foi, resmungando, buscar uma bilha nova, e nem sequer se deu ao incómodo de levar os bocados da velha.
Voltou pouco depois, recomendou mais cuidado ao prisioneiro e saiu.
Dantès escutou com indizível alegria o chiar da fechadura, que dantes lhe apertava o coração todas as vezes que se fechava.
Ouviu afastar-se o ruído dos passos; depois, quando o ruído se extinguiu, saltou para a cama, que desviou, e à claridade do fraco raio de luz que peneirava na cela pôde ver o trabalho inútil que fizera na noite anterior, atacando o corpo da pedra em vez da argamassa que lhe rodeava as extremidades.
A humidade tornara essa argamassa friável.
Dantes verificou, com o coração a pulsar-lhe de alegria, que a argamassa se soltava em fragmentos - fragmentos que eram quase átomos, verdade seja... Mas ao cabo de meia hora, porém Dantès já arrancara pouco mais ou menos um punhado. Um matemático poderia calcular que aproximadamente em dois anos daquele trabalho, supondo que se não encontrasse rocha, seria possível abrir uma passagem de dois pés quadrados e vinte pés de profundidade.
O prisioneiro censurou-se por não ter empregado naquele trabalho as longas horas passadas, sempre mais lentas, que perdera na esperança, na oração e no desespero.
Havia cerca de seis anos que se encontrava fechado naquela masmorra: que trabalho, por mais lento que fosse não teria feito!
Esta ideia deu-lhe novo ardor.