- E se o não conseguir?...
- Três tapeçarias amarelas.
- E nesse caso...
- E nesse caso, meu caro amigo, sirva-se do punhal à sua vontade. Permito-lho e estarei lá para o ver actuar.
- Adeus, Excelência. Conto consigo, conte comigo.
Ditas estas palavras, o trasteveriano desapareceu pela escada, enquanto o desconhecido, cobrindo mais do que nunca o rosto com a capa, passou a dois passos de Franz e desceu à arena pelos degraus exteriores.
Um segundo mais tarde, Franz ouviu o seu nome ecoar debaixo das abóbadas: era Albert quem o chamava. Esperou para responder que os dois homens se afastassem, pois não queria que soubessem que tinham tido uma testemunha que, embora lhes não tivesse visto a cara, não perdera uma palavra do seu diálogo.
Dez minutos depois, Franz rodava para o Hotel de Espanha, escutando com uma distracção deveras impertinente a douta dissertação que Albert fazia, segundo Plínio e Calpúrnio, acerca das redes guarnecidas de pontas de ferro que impediam as feras de se atirar aos espectadores. Deixava-o falar sem o contradizer. Tinha pressa de se encontrar sozinho para pensar sem que o distraíssem no que acabava de acontecer na sua presença.
Dos dois homens, um era-lhe certamente estranho, era a primeira vez que o via e ouvia, mas o mesmo não acontecia com o outro. E embora Franz lhe não pudesse ver a cara, constantemente oculta na sombra ou escondida pela capa, o timbre daquela voz impressionara-o tanto da primeira vez que a ouvira que ela nunca mais poderia soar diante de si sem que a reconhecesse.
Havia sobretudo nas intonações irónicas qualquer coisa de estridente e metálico que o fizera estremecer tanto nas ruínas do Coliseu como na gruta de Monte-Cristo. Por isso, estava absolutamente convencido de que aquele homem não era outro senão Simbad, o Marinheiro.
Por isso, em qualquer outra circunstância, a curiosidade que lhe inspirara aquele homem seria tão grande que não hesitaria em dar-se-lhe a reconhecer. Mas naquela ocasião a conversa que acabava de ouvir era demasiado íntima para que o não contivesse o receio, muito sensato, de que o seu aparecimento lhe não seria agradável. Deixara-o portanto afastar-se, como vimos, mas prometendo a si próprio, se o voltasse a encontrar, não deixar fugir essa segunda oportunidade como deixara fugir a primeira.
Franz estava demasiado preocupado para dormir bem. Gastou a noite a passar e repassar no seu espírito todas as circunstâncias relacionadas com o homem da gruta e o desconhecido do Coliseu, e que tendiam a fazer das duas personagens o mesmo indivíduo. E quanto mais Franz pensava nisso, tanto mais se firmava nesta opinião.