O Conde de Monte Cristo - Cap. 48: Ideologia Pág. 474 / 1080

Capítulo XLVIII – Ideologia

Se o conde de Monte-Cristo vivesse há mais tempo na sociedade parisiense apreciaria em todo o seu valor a visita do Sr. de Villefort

Bem visto na corte, quer o monarca reinante fosse do ramo mais velho, quer do ramo mais novo e o ministro que governasse fosse doutrinário, liberal ou conservador; reputado hábil por todos, como se reputam geralmente hábeis as pessoas que nunca experimentaram desaires políticos; odiado por muitos, mas calorosamente protegido por alguns, sem no entanto ser estimado por ninguém, o Sr. de Villefort ocupava uma das mais altas posições na magistratura e mantinha-se nessas alturas como um Harlay ou como um Molé. A sua sala, renovada por uma mulher nova e por uma filha do seu primeiro casamento que contava apenas dezoito anos de idade, nem por isso era menos uma dessas salas severas de Paris onde se praticava o culto das tradições e a religião da etiqueta. A polidez fria, a fidelidade absoluta aos princípios governamentais, um desprezo profundo pelas teorias e pelos teóricos e uma grande aversão aos ideólogos, tais eram os elementos da vida íntima e pública exibidos pelo Sr. de Villefort.

O Sr. de Villefort não era apenas um magistrado, era quase um diplomata. As suas relações com a antiga corte, da qual falava sempre com dignidade e deferência, impunham-no ao respeito da nova, e sabia tantas coisas que não só o tratavam sempre com deferência como ainda o consultavam algumas vezes. Talvez as coisas não se passassem assim se pudessem desembaraçar-se do Sr. de Villefort; mas ele residia, como os antigos senhores feudais rebeldes ao seu suserano, numa fortaleza inexpugnável. Essa fortaleza era o seu cargo de procurador régio, do qual explorava maravilhosamente todas as vantagens e que só deixaria para se fazer eleger deputado e substituir assim a neutralidade pela oposição.

Em geral, o Sr. de Villefort fazia poucas visitas. A mulher visitava por ele. Era hábito aceite na sociedade, onde o levavam à conta das graves e numerosas ocupações de magistrado, embora na realidade não passasse de um cálculo orgulhoso, de uma quinta-essência aristocrática, da aplicação, enfim, deste axioma: «Finge que te estimas e estimar-te-ão», axioma muitíssimo mais útil na nossa sociedade do que o dos Gregos: «Conhece-te a ti mesmo», substituído nos nossos dias pela arte menos difícil e mais vantajosa de conhecer os outros.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069