- Ah, é verdade, já me lembro! - disse vivamente a Sr.ª de Villefort, com certo nervosismo.
- Já me não recordo em pormenor do que me disse, minha senhora -prosseguiu o conde com perfeita calma -, mas lembro-me perfeitamente de que, compartilhando a meu respeito o erro geral, me consultou acerca da saúde de Mademoiselle deVillefort.
- No entanto, senhor, não há dúvida que se não fosse realmente médico não curaria doentes - observou a Sr.ª de Villefort.
- Molière ou Beaumarchais responder-lhe-iam, minha senhora, que exactamente por o não ser é que, em vez de curar os meus doentes, os meus doentes se curaram. Por mim, limito-me a dizer-lhe que estudei bastante a fundo a química e as ciências naturais, mas apenas como curioso... compreende?
Neste momento deram seis horas.
- Já seis horas! - exclamou a Sr.ª de Villefort, visivelmente agitada. - Não vai ver, Valentine, se o seu avô está pronto para jantar?
Valentine levantou-se, cumprimentou o conde e saiu da sala semdizer palavra.
- Meu Deus, minha senhora, foi por minha causa que mandou Mademoiselle de Villefort embora? - perguntou o conde, depois de Valentine sair.
- De modo algum - respondeu vivamente a jovem senhora. - Mas é que são horas de servirmos ao Sr. Noirtier a triste refeição que sustenta a sua pobre existência. Sabe em que estado deplorável se encontra o pai do meu marido, não sabe?
- Sei, sim, minha senhora; o Sr. de Villefort falou-me disso.
Uma paralisia creio.
- Infelizmente! O pobre velho está completamente privado de movimentos. Só a alma vive naquela máquina humana, mas pálida e trémula como uma lamparina prestes a apagar-se. Mas, perdão, senhor, se, para lhe falar dos meus infortúnios domésticos, o interrompi no momento em que me dizia ser um hábil químico.
- Oh, não dizia tanto, minha senhora! - redarguiu o conde, sorrindo. - Muito pelo contrário, estudei química porque, decidido a viver especialmente no Oriente, quis seguir o exemplo do rei Mitridates.
- Mithridates, rex Ponticus - disse o estouvado filho da dona da casa, recortando gravuras de um álbum magnífico -, o mesmo que tomava todas as manhãs uma chávena de veneno com natas ao pequeno-almoço...
- Edouard! Criança insuportável! - exclamou a Sr.ª de Villefort, tirando o livro mutilado das mãos do filho. – O menino é muito mau e faz-nos perder a paciência! Deixe-nos e vá ter com a sua irmã Valentine aos aposentos do avô Noirtier.