- Sim, é um homem cauteloso.
- É um homem admirável - declarou o lucano. - E ele mandou-lhos?
- Aqui estão.
O lucano juntou as mãos em sinal de admiração.
- O senhor casou com Oliva Corsinari na Igreja de S. Paulo de Monte-Cattini. Aqui está a certidão do padre.
- Sim, é verdade, aí está! - confirmou o major, olhando o documento com espanto.
- E aqui está também a certidão de baptismo de Andrea Cavalcanti, passada pelo pároco de Saravezza.
- Tudo em regra - disse o major.
- Vamos, tome conta destes documentos, que para mim não tem interesse, e dê-os ao seu filho para que os guarde cuidadosamente.
- Pois sim. Se ele os perdesse...
- Como, se ele os perdesse?! - saltou Monte-Cristo.
- Bom, teríamos de escrever para Itália e levaria muito tempo a arranjar outros - concluiu o lucano.
- De facto, seria difícil - concordou Monte-Cristo.
- Quase impossível - acrescentou o lucano.
- Folgo muito por o senhor compreender o valor destes documentos.
- Enfim, devo considerá-los inestimáveis.
- Agora - disse Monte-Cristo -, quanto à mãe do rapaz?...
- Quanto à mãe do rapaz... - repetiu o major, inquieto.
- Sim, quanto à marquesa Corsinari?
- Meu Deus! - exclamou o lucano, que tinha a sensação de as dificuldades lhe nascerem debaixo dos pés. - Haverá necessidade dela?
- Não, senhor - respondeu Monte-Cristo. - Aliás, ela não?...
- Claro, claro! - apressou-se a dizer o major. - Ela...
- Pagou o seu tributo à natureza, não é verdade?
- Infelizmente, pagou! - confirmou o lucano.
- Também soube isso - declarou Monte-Cristo. - Morreu há dez anos.
- E ainda choro a sua morte, senhor - disse o major, tirando da algibeira um lenço de quadrados e limpando alternadamente primeiro o olho esquerdo e depois o olho direito.
- Que quer, somos todos mortais... - confortou-o Monte-Cristo. - Agora espero que compreenda, caro Sr. Cavalcanti, espero que compreenda que é inútil saber-se em França que esteve quinze anos separado do seu filho. Todas essas histórias de ciganos que raptam crianças não são correntes aqui. O senhor pô-lo a educar num colégio de província e deseja que acabe a sua educação na sociedade parisiense. Por isso o senhor deixou Via-Reggio, onde morava desde a morte da sua mulher. Isto bastará.
- Acha?
- Certamente.
- Muito bem, então.
- Mas se se soubesse alguma coisa acerca dessa separação...
- Ah, sim! Que diria?
- Que um perceptor infiel, vendido aos inimigos da sua família...
- Aos Corsinari?
- Certamente... raptara a criança para que o seu nome se extinguisse.
- Está certo, porque ele é filho único.